07
Jun 12
07
Jun 12

NO ARCO DO SILÊNCIO

Para o Carlos Jorge Morgado Pereira

e para a Teresa Jorge

 

 

Foi tempo não te ver dia após dia

e tempo será ver-te à minha frente

no voo da flecha nua que desfira

o teu silêncio no arco do silêncio

 

ou no aroma de estevas que subia

entre soltas ribeiras sós e lentas

línguas de areia cujo súbito meio-dia

viria podar de sombra corpo dentro

 

o vagar da memória por que pulsa

o coração que o sono alenta ao rubro

da formosura intacta das romãs

 

Mas se outro é todo o tempo propriamente

nada há que volte ou parta enfim porquanto

ser e não-ser de tudo é sempre o tempo

 

Miguel Serras Pereira

publicado por RAA às 19:31 | comentar | favorito
06
Jun 12
06
Jun 12

NA NÉVOA

Como é estranho andar no nevoeiro!

Sòzinha a pedra e a planta,

Uma árvore não vê a outra,

Solidão tanta.

 

Muitos amigos eu tinha

No tempo da vida viva;

Agora que a névoa cai,

De tudo a vista me priva.

 

Nada sabe quem não sabe

Como a treva nos separa

De tudo e todos, tão doce,

Inescapável, avara.

 

Como é estranho andar no nevoeiro!

A vida é solitude -- não adianta.

Ninguém conhece um outro.

Solidão tanta.

 

Hermann Hesse

(Jorge de Sena)

publicado por RAA às 15:26 | comentar | favorito
05
Jun 12
05
Jun 12

ISTO É QUE FAZEM DE NÓS

                                             Isto!

 

E perguntam-nos:

                                  

                                  -- sois homens?

 

Respondemos:

                                 

                                  -- animais de capoeira.

 

Dizem-nos:

                             

                                 -- bom dia.

 

Pensamos:

                             

                                 lá fora...

 

Isto é que fazem de nós

quando nos inquirem:

                   

                              -- estais vivos?

 

E em nós

 

as galinhas respondem:

 

                               -- dormimos.

 

 

 

ISTO É QUE FAZEM DE NÓS!

 

Arménio Vieira

publicado por RAA às 11:56 | comentar | favorito
03
Jun 12
03
Jun 12

ORIGEM

Por detrás do teatro de sombras

há um corpo, dentro dos fantoches

existem mãos, o falcão regressa

ao falcoeiro, os bonecreiros seguram

bonecos de madeira, as paredes brancas

alguém as caiou, as nuvens preexistem

ao desenho das nuvens, mas não podemos

retroceder tanto, basta-nos a história

em si mesma e não a sua origem.

 

Pedro Mexia

publicado por RAA às 23:39 | comentar | favorito
02
Jun 12
02
Jun 12

AS VIAGENS

     Antes que seja afastado do que já alcancei que o seja daquilo para que vou. A posse é um declínio.

     Antes um pássaro a voar que dois na mão. Dois pássaros na mão são o que já não falta. Um pássaro a voar: é ir com os olhos a voar com ele; ir sobre os montes, sobre os rios, sobre os mares; dar a volta ao mundo e continuar; é ter um motivo de viver -- é não ter chegado ainda!

 

António Madeira (Branquinho da Fonseca)

publicado por RAA às 01:41 | comentar | favorito