28
Set 12
28
Set 12

"AO VER A SUA BOCA AO PÉ DA MINHA BOCA"

Ao ver a sua boca ao pé da minha boca,

desviei o olhar. E as mãos pus nos ouvidos,

quando as palavras dele retiniam.

Também escondi com as mãos o suor de enleio

que a fronte me perlava. Tentei tudo.

Mas que fazer, quando senti que as vestes

por si caíam pelo meu corpo abaixo?

 

Amaru

(Jorge de Sena)

publicado por RAA às 17:38 | comentar | favorito
27
Set 12
27
Set 12

AGUARELAS DE JÚLIO

De súbito, o papel,

de súbito, o pincel

transformados

em arco-íris,

em dicionários

de cor e mel.

 

Albano Martins

publicado por RAA às 18:33 | comentar | favorito
26
Set 12
26
Set 12

SONETO DA PEDRA NA FLORESTA

Somos a pedra que na terra antiga

fora afeiçoada pelas mãos pacientes,

e abandonada à chuva dos milênios

as árvores lhe entraram pelo rosto.

 

A dor nos invadiu e dilacera

e a umidade da selva nos devasta.

Tudo o que outrora foi forma e quebranto

desfaz-se hoje no abraço das raízes.

 

Resta a esperança de salvar a vida,

acolhendo um destino vegetal,

que envolva a rocha mas preserve os olhos.

 

E pela humilde aceitação da sorte,

mutilados embora, mas presentes,

guardemos as almas na floresta.

 

Odylo Costa, Filho

publicado por RAA às 13:35 | comentar | favorito
20
Set 12
20
Set 12

CANÇÃO DA ÚLTIMA ESPERANÇA

Rompa-se o corpo e fique

O centro de seu centro.

Que então se verifique

Nua a alma lá dentro.

 

Mas nua nem que seja

No rictus de ironia

De uma boca que beija

Como quem se desvia.

 

Que sós se verifique

O centro do seu centro

Se, morto o corpo, fique

Nua a alma lá dentro.

 

Carlos Lemonde de Macedo

publicado por RAA às 12:38 | comentar | favorito
19
Set 12
19
Set 12

LE POÈTE S'EN VA AUX CHAMPS...

Le poète s'en va aux champs; il admire,

Il adore; il écoute en lui-même une lyre;

Eltle voyant venir, les fleurs, toutes les fleurs,

Celles qui des rubis font pâlir les couleurs,

Celles qui des paons même éclipseraient les queues,

Les petites fleus d'or, les petites fleurs bleues,

Prennent, pour l'accueillir agitant leurs bouquets,

De petits airs penchés ou de grands airs coquets,

Et familièrement, car cela sied aux belles:

«Tiens! c'est notre amoureux qui passe!» disent-elles.

Et, pleins de jour et d'ombre et de confuses voix,

Les grands arbres profonds qui vivent dans les bois,

Tous ces vieillards, les ifs, les tilleuls, les érables,

Les saules tous ridés, les chênes vénérables,

L'orme au branchage noir, de mousse appesanti,

Coome les ulémas quand paràît le muphti,

Lui font des grands saluts et courbent jusqu'à terre

Leurs têtes de feuillé et leur barbes de lierre,

Contemplent de son front la sereine lueur,

Et mumurent tout bas: "C'est lui! cést le rèveur!"

 

Victor Hugo

 

 

publicado por RAA às 19:09 | comentar | favorito
18
Set 12
18
Set 12

É PRECISO ACREDITAR


Luiz Goes
publicado por RAA às 23:21 | comentar | favorito
tags:
17
Set 12
17
Set 12

QUADRA

O tronco na lareira

a família,

o coração a bater

na alma um jardim.

 

Natércia Almeida

publicado por RAA às 16:57 | comentar | favorito
14
Set 12
14
Set 12

VACA NEGRA SOBRE FUNDO ROSA

Até os cinco anos de idade jamais havia visto um trem de carga;

e até os oito anos jamais um metereologista.

                                         A garota com sombrinha chinesa

foi um dia minha garota com sombrinha chinesa, e a este

que brinca na areia da praia chamamos nosso filho, pois

é o que é, como a bola azul em suas mãos é a bola azul

em suas mãos e o verão é outra bola azul em suas mãos.

As coisas são o que são e sei que antes de precisar

outra vez barbear-me já terão voltado para o frio

de seu novo país. E talvez em meus sonhos

voltem a fazer falta as três dimensões

desse mundo espesso como uma

vaca negra sobre fundo rosa.

 

Carlito Azevedo

publicado por RAA às 19:47 | comentar | favorito
12
Set 12
12
Set 12

"Um dia mais, sou menos que era"

Um dia mais, sou menos que era

há momentos: rasurei o rosto

a barba que me embuça

sem imaginação nem sono.

 

Mas ela não se rende. Continua

a vegetar, raiz no sangue,

a mancha que parda punge

na máscara. E derrama-se.

 

Esta chaga não dói, ao supurar

contra o metal contrário:

é um mênstruo inesgotável,

servil, embora másculo.

 

Narcisismo ancestral, a matutina

perseguição aos pêlos,

enquanto o olhar comina o insulto

dos anos que fluem sob o espelho.

 

A pele não repulsa nunca a lâmina:

nem ao ser já pedra musguenta

e, ao despedi-la, outros receiem

que dela ainda esta erva cresça.

 

José Bento

publicado por RAA às 11:31 | comentar | favorito
10
Set 12
10
Set 12

AMOR

Amas demais... não possuis

o amor que todos têm.

Quem ama tudo não pode

ser amado por alguém.

 

O amor de tudo é ninguém

mas coração mais fecundo,

que por não saber beijar

só tarde conquista o mundo.

 

De longe o sol nos aquece,

de longe nos abre focos...

-- Ó cinco chagas de Cristo,

no espelho de misantropos!

 

Só é do Sol quem tem asas,

para um voo longo e leve...

-- quem antes que a luz o cegue

chega lá desfeito em brasas!

 

Edmundo de Bettencourt

publicado por RAA às 00:05 | comentar | favorito