27
Dez 12
27
Dez 12

CORRESPONDANCES

 La Nature est un temple où de vivants piliers

Laissent parfois sortir de confuses paroles;

L'homme y passe à travers  des forêts de symboles

Qui l'observent avec des regards familiers.

 

Comme de longs échos qui de loin se confondent

Dans une ténébreuse et profonde unité,

Vaste comme la nuit et comme la clarté,

Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.

 

Il est des parfums frais comme des chairs d'enfants,

Doux comme les hautbois, verts comme les prairies

-- Et d'autres, corrompus, riches et triomphants,

 

Ayant l'expansion des choses infinies,

Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens

Qui chantent les transports de l'esprit et des sens.

 

Charles Baudelaire

 

CORRESPONDÊNCIAS

 

A Natureza é um templo onde vivos pilares

Pronunciam por vezes palavras ambíguas;

O homem passa por ela entre bosques de símbolos

Que o vão observando em íntimos olhares.

 

Em prolongados ecos, confusos, ao longe,

Numa só tenebrosa e profunda unidade,

Tão vasta como a noite e como a claridade,

Correspondem-se as cores, os aromas e os sons. 

 

Há perfumes tão frescos como a jovem carne,

Doces como oboés e verdes como prados,

-- E há outros triunfantes, ricos, corrompidos,

 

Que se expandem no ar como coisas sem fim,

Como o âmbar, o almíscar, o incenso, o benjoim,

E cantam os arroubos da alma e dos sentidos.

 

(Fernando Pinto do Amaral)

publicado por RAA às 00:56 | comentar | favorito
21
Dez 12
21
Dez 12

CANÇÃO DA VIRGEM

Dorme, dorme, meu menino,
O meu menino Jesus…
Mas não abras tanto os braços,
Não sonhes já com a cruz…
Escorregaste do luar…
Do frio da noite tremendo,
Abriguei-te no meu ventre,
E lá te foste aquecendo…

Quando olho para ti,
Diz-me uma voz, cá no fundo:
--Tu que já coubeste em mim,
Não hás-de caber no mundo!...

Ó mães com filhos no ventre:
Mãos erguidas para os céus!
Tende cautela com eles…
Olhem que às vezes é Deus…

Sempre virgem mesmo mãe!
Ó meu Deus, mas sendo assim,
Eu não tive o meu menino,
Ele é que me teve a mim…

Ó dor de todas as mães,
Meu desespero profundo:
-- Como é que são nossos filhos,
Se os temos de dar ao mundo?!

Na cruz branca dos meus braços,
Dorme menino Jesus…
Que esta cruz vai-te levando
Até que me leves a cruz…

António Ferro
publicado por RAA às 01:05 | comentar | favorito
20
Dez 12
20
Dez 12

"Vinhas só"

Vinhas só,

o olhar poeirento

e um oásis de esperança

nas mãos desertas.

 

Vinhas só,

as carnes acesas em sangue,

os cabelos de sombra estendidos

pela terra imensa mordida de dor;

e na areia solta dos teus pés

eu vi as raízes de África.

 

Chegaste

com passos velhos de ecos

que soaram

batuque e conquista

nas noites tumultuosa da Impis.

 

Chegaste

e cresceste em mim

no gritos dos tempos.

Descansa à sombra da minha Vontade,

mãe,

eu continuarei a Jornada.

 

Manuel Lima

publicado por RAA às 19:53 | comentar | favorito (1)
14
Dez 12

CANÇÃO DO LAGO SECANDO

Pela noite da minha trágica aventura,

Meu sofrimento é o achado que afago,

Se acordado, sofrendo,

E se a dormir, sonhando

Que sou lago.

 

Adeus, ó canas, cá me vou secando!

À míngua de nascente eu parto evaporado

Sem me ver partir!

 

Ainda se os que passam pudessem beber-me

Sem tornarem a passar

Pra maldizer-me...

 

Ainda se a menina reclinada à minha beira,

Que tanto e tanto me seduz ainda,

Viesse banhar-se

E depois se afogasse em mim, violada e linda...

 

Ainda se eu,

Profundo e vasto e longo,

Pudesse ter no mapa mancha azul e portos

E ser útil à navegação...

 

Finando-me abriria a justa e verdadeira causa

À minha sede e à minha direcção.

 

Políbio Gomes dos Santos

publicado por RAA às 19:00 | comentar | favorito
14
Dez 12

A JOAQUIM BENITE NO SEU OLIMPO (in memoriam)

Chora o Olimpo

o valoroso herói:

caiu junto aos portões

da cidade de Atenas.

 

Caronte não o deseja:

não aceita as moedas,

a sua luz mais forte

ofuscaria a treva

da memória...

 

Diónisos vem buscá-lo

com as suas bacantes:

ele sobe triunfante

com o Rei do cortejo...

 

Vénus abre-lhe o colo

de abraços generosos

E Hermes cede-lhe as asas

para poder voar...

 

Zeus entrega a coroa de fogo

reservada aos heróis:

o Olimpo é o Reino

de memória perpétua

onde não há Carontes

receosos...

 

Yvette K. Centeno

 

 

publicado por RAA às 00:15 | comentar | favorito
06
Dez 12
06
Dez 12

DOIS POEMAS DA PRAIA DA AREIA BRANCA

1

 

Na Praia da Areia Branca

os búzios não falam só do mar:

-- falam das pragas, dos clamores,

da fome dos pescadores

e dos lenços tristes a acenar.

 

Búzios da Praia da Areia Branca:

-- um dia

haveis de falar

unicamente do mar.

 

 

2

 

No fundo do mar,

há barcos, tesoiros,

segredos por desvendar

e marinheiros que foram morenos ou loiros.

 

Ali, não são morenos nem loiros,

-- são formas breves, a descansar,

sem ambições para os tesoiros

e de cabelos verdes dos limos do mar.

 

Serenos, serenos, repousam os mortos,

 

-- enquanto o mar

ensina o mundo a falar

a mesma língua em todos os pontos.

 

Sidónio Muralha

publicado por RAA às 18:50 | comentar | favorito
05
Dez 12
05
Dez 12

AMAZÓNIA (I)

 Selva! O que o teu saibo diz

e o resto -- o que há em mim a mais,

um sol de boca rubra, na raiz

de vinte outonos magros e iguais.

 

Litoral e mar. Minha cadeia

-- o continente alheio dos escombros!

Ficam minhas pegadas sobre a areia

e o sol da selva escorre-me dos ombros.

 

Carlos de Oliveira

publicado por RAA às 19:59 | comentar | favorito