30
Jan 13
30
Jan 13

CINCO RÉIS DE GENTE

Cinco réis de gente

Vai sempre na frente

Dos outros que vão

Cedo para a escola;

Corpinho delgado,

Olhar mariola,

-- Belos os cabelos,

Quantos caracóis!

Mas as mangas rotas

Nos dois cotovelos

São de andar no chão

Atrás do novelos!

Nos olhos dois sóis

Que alumiam tudo!

A mãe, tecedeira,

Perdeu o marido,

Mas vive encantada

Para o seu miúdo.

 

António Botto

in Maria de Lourdes Varanda e Maria Nauela Santos,

Poetas de Hoje e de Ontem -- Do Século XIII ao XXI para os Mais Novos

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29
Jan 13
29
Jan 13

"Com mãos aflitas suas vestes busca,"

Com mãos aflitas suas vestes busca,

a desfeita grinalda atira à lâmpada,

rindo confusa, e só procura ansiosa

cobrir-se aos olhos meus. Ah como é doce

fitá-la assim, depois que nos amámos!

 

Amaru

(in Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos)

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28
Jan 13
28
Jan 13

"Eras o príncipe"

Eras o príncipe

Das varandas lentas das tardes de província

 

Eras a sabedoria simples dos dias

Um após outro

 

Eras uma espécie de silêncio

 

Ou anjo

Sem o saber

 

Daí o teu traço estreme

 

Tuas palavras parcas

 

         

                       Londres, 13 de Abril de 1988

 

Alberto de Lacerda

in Série Poeta -- Homenagem a Júlio / Saul Dias

edição de valter hugo mãe

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25
Jan 13
25
Jan 13

"às dez"

      às dez

vi-os alinhados

      em dissonante silêncio

      diante das espingardas

antes de os fuzilarem

ao meio dia

reparei com desgosto

que ainda lhes tapavam

os olhos

condenando-os ao absurdo

      de um Sol

despojado de cor e de luz

e à uma

      nada mais

 

Miguel Barbosa

As Mãos Encarquilhadas do Absurdo

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24
Jan 13
24
Jan 13

O DOS CASTELLOS

A Europa jaz, posta nos cotovellos:

De Oriente a Occidente jaz, fitando,

E toldam-lhe românticos cabellos

Olhos gregos, lembrando.

 

O cotovello esquerdo é recuado;

O direito é em angulo disposto.

Aquelle diz Italia onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se appoia o rosto.

 

Fita, com olhar sphyngico e fatal,

O Occidente, futuro do passado.

 

O rosto com que fita é Portugal.

 

8-12-1928


Fernando  Pessoa

Mensagem

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23
Jan 13
23
Jan 13

MAGAÍÇA

Magaíça, ao partir, não se prende

mas sofrendo no Rand é que aprende

que a mina é inferno, desterro e má sina,

que a terra é o céu de quem vive na mina!

 

Vem ver o sol, vem ver,

que é morte viver

debaixo do chão!

 

Diz, Magaíça, diz,

diz adeus à raiz,

diz adeus ao carvão...

O oiro que a mina te dá

não paga a saudade que há

no teu coração!

 

É lá fora que correm gazelas,

é lá fora que há nuvens e estrelas,

que o milho espigado, na seara a crescer,

parece que pede que o venham colher!

 

Reinaldo Ferreira

in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban III

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22
Jan 13
22
Jan 13

La raison d'être du poète?

La raison d'être du poète? La voilà: la page blanche, la plume, le mot. Le reste est anecdote.

 

Léo Ferré

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15
Jan 13
15
Jan 13

AO MESMO ASSUNTO

Baxel de confusão em mares de ânsia,

Edifício caduco em vil terreno,

Rosa murchada já no campo ameno,

Berço trocado em tumba desd'a infância;

 

Fraqueza sustentada em arrogância,

Néctar suave em campo de veneno,

Escura noite em lúcido sereno,

Serea alegre em triste consonância;

 

Viração lisonjeira em vento forte,

Riqueza falsa em venturosa mina,

Estrela errante em fementido norte;

 

Verdade que o engano contamina,

Triunfo no temor, troféo da morte

É nossa vida vã, nossa ruína.

 

Francisco de Vasconcelos

(Antologia Literária Comentada -- Época Clássica -- Século XVII,

edição de Maria Ema Tarracha Ferreira)

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13
Jan 13
13
Jan 13

SONETO

De ti não quero mais do que a memória

Das breves horas idas que me deste,

Como a palma, depois duma vitória...

-- E nada mais dessa vitória reste.

 

De neblina um luar frio reveste

O meu passado: a infância foi-me inglória;

E dela não ficou mais do que a história

Dum menino, uma fada e um cipreste.

 

Não mais serei contigo neste vário

Campo, sonhando, em vaga liquescência...

Luz coada através dum aquário.

 

(Entanto, a serra tem a consciência

Do meu passar por ela solitário,

Como outrora, na minha adolescência).

 

Carlos Queirós

presença #16, 1928

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07
Jan 13
07
Jan 13

ZUMBIDO

A menina andava no jardim

a dançar com o jasmim.

 

O menino andava no pomar

as cerejas a provar.

 

Um zângão surgiu

a menina fugiu.

 

O menino mexeu na colmeia.

Que coisa tão feia!...

 

O enxame irritou.

O zângão

zangado

atacou

e uma abelha picou.

 

A mão do menino inchou

mas ele não chorou.

 

Alice Gomes

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