28
Jun 13

SONATINA ITALIANA

A donzela órfã

Seduzida e abandonada

Soluça na neve.

 

O velho sabujo

De cartola de veludo

Olha de longe...

E gargalha.

 

Foi ele que a desgraçou.

Mas bêbedo e cético

Pouco se importa.

E gargalha: Ah Ah Ah...

 

Carlos Saldanha,

in Heloisa Buarque de Hollanda,

26 Poetas Hoje (1975)

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28
Jun 13

LEGENDA

Toda a gente dizia que ele havia

De ser, nesta vida, alguém;

E a mãe ouvia e sorria,

Contente de ser a mãe.

 

O menino cresceu; é hoje um homem;

E, embora por alguém o tomem,

Quando o vêem passar, dizem: -- Coitado!

É um poeta... (um aleijado).

 

Carlos Queirós,

Desaparecido

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26
Jun 13

LIBERTAÇÃO

Silêncio profundo...

 

Fechei a porta.

 

(Madeira morta

Entre mim e o mundo.)

 

Luiz de Macedo

As Folhas de Poesia Távola Redonda

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26
Jun 13

"Os pássaros"

Os pássaros

Estabelecem diálogos

Que ninguém entende

Felizmente

 

Como tudo o que é puro

De raiz

O que os pássaros dizem

Não se traduz

 

Yèvre-le-Châtel

25 de Junho 90

 

Alberto de Lacerda,

Átrio

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25
Jun 13

JOANINHA

A joaninha bonita
que mora a meio do caminho
da rua das violetas
tem um vestido de chita
todo ele encarnadinho
e cheio de bolinhas pretas.

E quando a gente lhe diz:
-- «Joaninha voa, voa,
não me digas que tens medo,
se voas serás feliz
que o teu pai está em Lisboa
foi lá comprar um brinquedo...»

A joaninha responde:
«Se és amigo verdadeiro
não me digas voa, voa,
-- voar sim, mas para onde? --
o meu pai não tem dinheiro
para ter ido a Lisboa...»

E a joaninha bonita
lá se fica no caminho
da rua das violetas
com um vestido de chita
todo ele encarnadinho
e cheio de bolinhas pretas...


Sidónio Muralha, 

Bichos, Bichinhos e Bicharocos

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25
Jun 13

"Outrora, esta ânfora era um pobre amante"

Outrora, esta ânfora era um pobre amante

que gemia sob a indiferença de uma mulher.

A asa, no colo da ânfora, era o seu braço

que rodeava o pescoço da bem-amada.

 

Omar Khayyam,

Odes ao Vinho

(trad.: Fernando Castro)

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24
Jun 13
24
Jun 13

O VENDEDOR DE SOUTIENS

Há homens que nascem pró trabalho

outros gozam à brava na cama

mas só os vendedores de soutiens

trabalham e vivem da mama

 

Dick Hard,

De Boas Erecções Está o Inferno Cheio

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21
Jun 13

"Todo o Verão tem a sua sombra"

Todo o Verão tem a sua sombra

a sua pequena morte

homens lentos nas adegas

(poços de frescura)

imaginam ofícios sublimes

presságios

pequenas conjuras

 

Todo o Verão tem o seu assombro

paisagens altas

onde principio a escrever

(num silêncio de sinos)

vocábulos escassos, dissonâncias

numa saudade de rosas e luz estilhaçada.

 

Fernando Jorge Fabião,

Na Orla da Tinta

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21
Jun 13

"Estuando em risos no prazer de dar-se"

Estuando em risos no prazer de dar-se,

a minha amada com ardor lutava

para ganhar a palma da vitória.

No frágil corpo a força lhe faltava;

e quando percebeu que o grande feito

além do seu poder se conservava,

exausta se quedou antes do fim,

e só com o ansioso olhar me suplicava

que o que faltava me coubesse a mim.

 

poema sânscrito anónimo,

Índia Clássica,

Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos

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20
Jun 13
20
Jun 13

À MEMÓRIA DE MEU IRMÃO JOAQUIM

«Escrever é vencer a Morte!»

Poemas Imperfeitos

 

Foi no Dia da Raça que morreste!

Mas não morreste, não: subiste aos Céus,

Onde o teu coração nas mãos de Deus,

Como um fruto de amor tu ofereceste.

 

E Deus sorriu, ao ver-te sem os véus

Das terrenas vaidades, e tiveste,

Lá no fulgor da Jerusalém Celeste,

A acolher-te na Luz, todos os teus.

 

Os teus já partiram, porque a nós,

Os que somos ainda aqui dispersos,

Quiseste um bem deixar que nos conforte:

 

Teu vulto de saudade, a tua voz,

Que fala nos teus livros e em teus versos,

Porque é escrevendo que se vence a Morte!

 

10 de Junho de 1979

 

Anrique Paço d'Arcos

 

in Joaquim Paço d'Arcos, Correspondência

e Textos Dispersos (1942-1979)

(edição de João Filipe e Maria do Carmo Paço d'Arcos)

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