25
Out 13
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Out 13

PROJECTO DE SILÊNCIO

...(        )...

 

E. M. de Melo e Castro

Poemografias -- Perspectivas

da Poesia Visual Portuguesa (1985)

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24
Out 13
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Out 13

CORO DOS CAÍDOS

Cantai bichos da treva e da aparência

Na absolvição por incontinência

Cantai cantai no pino do inferno

Em Janeiro ou em Maio é sempre cedo

Cantai cardumes da guerra e da agonia

Neste areal onde não nasce o dia

 

Cantai cantai melancolias serenas

Como trigo da moda nas verbenas

Cantai cantai guisos doidos dos sinos

Os vossos salmos de embalar meninos

Cantai bichos da treva e da opulência

A vossa vil e vã magnificência

 

Cantai os vossos tronos e impérios

Sobre os degredos sobre os cemitérios

Cantai cantai ó torpes madrugadas

As clavas os clarins e as espadas

Cantai nos matadouros nas trincheiras

As armas os pendões e as bandeiras

 

Cantai cantai que o ódio já não cansa

Com palavras de amor e de bonança

Dançai ó Parcas vossa negra festa

Sobre a planície em redor que o ar empesta

Cantai ó corvos pela noite fora

Neste areal onde não nasce a aurora

 

José Afonso 

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23
Out 13
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Out 13

VISITA EM VÃO A UM MONGE TAUISTA NA MONTANHA DAITIAN

Cães ladrando

       entre o murmúrio das águas.

Flores de pessegueiro carregando

       pesadas gotas de chuva.

Veados saltando

       no fundo da floresta.

Bambus selvagens perfurando

       a névoa gris.

Cascatas voando

       suspensas de cumes verdejantes.

Meio-dia, não se ouvem sinos.

       Ninguém sabe onde encontrar o velho mestre.

Triste, procuro apoio

       em dois ou três pinheiros.

 

Li Bai / António Graça de Abreu

Poemas de Li Bai

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16
Out 13
16
Out 13

UM JOGO DE HÓQUEI À SOMBRA DA BANANEIRA

Dei-lhe

uma sticada

e deixei-a

abananada

 

Dick Hard,

De Boas Erecções Está o Inferno Cheio

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15
Out 13
15
Out 13

TÚMULO DO POETA DESCONHECIDO

uma brochura

que mal se sustenta de pé

na biblioteca pública

de uma cidadezinha qualquer

 

as páginas amareladas

de uma antologia

com trezentos e tantos

tantos tantos "poetas"

 

um título

perdido

(muito cedo, muito cedo)

nas prateleiras de um sebo

 

apenas um nome

(nowhere man)

na babilônica

lista telefônica

 

numa obscura

repartição pública

(beneficência da língua portuguesa)

sem cura

 

um bando bêbado

no fundo do bar

olhando pro nada

e pensando que é o mar

 

no tumulto da vida -- o túmulo

requiescat in pace

& não volte jamais

 

Carlos Ávila

Na Virada do Século --

Poesia de Invenção no Brasil (2002)

edição: Claudo Daniel

e Frederico Barbosa

publicado por RAA às 13:23 | comentar | favorito
14
Out 13
14
Out 13

WHEN YOU ARE OLD

When you are old and grey and full of sleep,

And nodding by the fire, take down this book,

And slowly read, and dream of the soft look

Your eyes had once, and of their shadows deep;

 

How many loved your moments of glad grace,

And loved your beauty with love false or true,

But one man loved your pilgrim soul in you,

And loved the sorrows of your changing face;

 

And bending down beside the glowing bars,

Murmur a little sadly, how Love fled

And paced upon the mountains overhead

And hid his face amid a crowd of stars.

 

W. B. Yeats,

The Secret Rose (1897) /

Poemas (ed. bilingue)

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11
Out 13
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Out 13

DESLUMBRAMENTOS

Milady, é perigoso contemplá-la,

Quando passa aromática e normal,

Com seu tipo tão nobre e tão de sala,

Com seus gestos de neve e de metal.

 

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,

Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,

Eu vejo-a, com real solenidade,

Ir impondo toilettes complicadas!...

 

Em si tudo me atrai como um tesoiro:

O seu ar pensativo e senhoril,

A sua voz que tem um timbre de oiro

E o seu nevado e lúcido perfil!

 

Ah! Como me estonteia e me fascina...

E é, na graça distinta do seu porte,

Como a Moda supérflua e feminina,

E tão alta e serena como a Morte!...

 

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,

Britânica, e fazendo-me assombrar;

Grande dama fatal, sempre sòzinha,

E com firmeza e música no andar!

 

O seu olhar possui, num jogo ardente,

Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;

Como um florete, fere agudamente,

E afaga como o pêlo dum ragalo!

 

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,

E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,

O modo diplomático e orgulhoso

Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

 

E enfim prossiga altiva com a Fama,

Sem sorrisos, dramática, cortante;

Que eu procuro fundir na minha chama

Seu ermo coração, como um brilhante.

 

Mas cuidado, milady, não se afoite,

Que hão-de acabar os bárbaros reais;

E os povos humilhados pela noite,

Para a vingança aguçam os punhais.

 

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,

Sob o cetim do Azul e as andorinhas,

Eu hei-de ver errar, alucinadas,

E arrastando farrapos -- as rainhas!

 

O Livro de Cesário Verde

 

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08
Out 13
08
Out 13

QUASE

Um pouco mais de sol -- eu era brasa.

Um pouco mais de azul -- eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...

 

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído

Num baixo mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho -- ó dor! -- quase vivido...

 

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princípio e o fim -- quase a expansão...

Mas na minh'alma tudo se derrama...

Entanto nada foi só ilusão!

 

De tudo houve um começo... e tudo errou...

-- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... --

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elançou mas não voou...

 

Momentos de alma que desbaratei...

Templo aonde nunca pus um altar...

Rios que perdi sem os levar ao mar...

Ânsias que foram mas que não fixei...

 

Se me vagueio, encontro só indícios...

Ogivas para o sol -- vejo-as cerradas;

E mãos de herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sobre os precipícios...

 

Num ímpeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí...

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi...

 

...............................................................

...............................................................

 

Um pouco mais de sol -- e fora brasa,

Um pouco mais de azul -- e fora além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...

 

Mário de Sá-Carneiro,

Poemas Escolhidos

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07
Out 13
07
Out 13

A MANHÃ

Esta manhã

hoje

é um nome

 

Fiama, Barcas Novas

 

 

É assim a manhã, um nome

para o mundo, abrir os olhos como

alguém que fala

Podem o tempo ou a

morte diurna

dar aos olhos abertos o nada das palavras

 

O sol será então

o silêncio no olhar ou na mão

sobre a testa

que faz descer as pálpebras

como se os dedos dessem à cabeça a verdade

submersa nesse nada

 

e a manhã viesse

não como sombra vasta vestir a voz

do corpo

mas cobri-la da

luz

das palavras que faltam

 

Gastão Cruz,

Rua de Portugal / O Escritor 22

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02
Out 13
02
Out 13

CLAMAVI AD TE

Apenas hoje! Apenas uma vez,

Fala de modo que a verdade seja

Tão clara e transparente, que eu a veja

Num cristal da mais pura limpidez!

 

Talvez seja loucura o que deseja

A minha insaciedade. Sim, talvez...

Que tu fosses, falando, a outra que és,

Com a alma nos lábios, quando beija.

 

Mal empregado privilégio, a fala,

Que traduz a verdade em que pensamos,

As palavras gastando em ocultá-la!

 

Que seja assim quando se odeia, vamos...

Mas para quê se dissimula ou cala,

Quando tudo nos diz que nos amamos?!

 

Carlos Queirós,

Desaparecido

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