11
Jul 14

LUÍS VAZ

Como foi em vão teu canto Luís Vaz

por esta terra que de pátria alheia jaz

se à aventura te deste foi a musa

cruel inspiradora que sublime te elevou

filho humilde desta rude gente lusa

tão crua no sentir que a sorte te ditou

 

Pelo limbo do ocaso esmolaste a tença

degrau a degrau cobrando a vida por avença

e a hipocrisia nasceu nua naqueles quando

morto te usaram com tão grande cinismo

porque tu só pertences aos que vão rimando

este chão com revolta dor e inconformismo.

 

Francisco Cardo,

in A Batalha #260

Mai.-Jun. 2014

publicado por RAA às 18:41 | comentar | favorito
11
Jul 14

CANÇÃO SAUDOSA

A Saudade vem bater,

Vem bater à minha porta,

Quando o luar é de lágrimas

E a terra parece morta.

 

E a saudade bate, bate,

Com tal carinho e brandura,

Que nem a aurora batendo

À porta da noite escura!

 

Mas eu ouço-te, Saudade...

E o silêncio é tão profundo!

Ouço vozes, choros de alma,

Que ninguém ouve, no mundo!

 

Misteriosas imagens

Passam, por mim, a falar...

Bem entendo o que elas dizem,

Bem o quisera contar!

 

Mas -- que tragédia! -- emudeço.

Caio, de mim, sobre o nada!

Sou a minha própria sombra

Não sei onde projectada!

 

E entra a Saudade... Fiquei

Como assombrado e sem voz!

Sinto-a melhor, que senti-la

É vê-la, dentro de nós.

 

Vinha com ela a tristeza

Que a tarde espalha no ar...

Vinha cercada das sombras

Que andam, na terra, ao luar.

 

E vinha a sombra dos Ermos,

Com os olhos rasos de água...

E os segredos que a noitinha

Vem dizer à nossa mágoa.

 

Vinha a sombra do Marão

Sob a lua em várias fases;

E, no seu rosto de bronze,

Trazia um véu de lilases.

 

Vinha a alma do Desejo,

Toda a arder... Em volta dela,

Giram mundos e fantasmas,

Como em volta duma estrela.

 

Tudo o que é sonho em vigília

No sono da Criação;

E, entre falsas aparências,

É divina Aparição;

 

Tudo vem com a Saudade,

De noite, bater-me à porta,

Quando o luar é de lágrimas

E a terra parece morta...

 

Teixeira de Pascoais,

Terra Proibida / Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira)

publicado por RAA às 13:46 | comentar | favorito
03
Jul 14
03
Jul 14

FRUTOS

Pêssegos, pêras, laranjas,

morangos, cerejas, figos,

maçãs, melão, melancia,

ó música de meus sentidos,

pura delícia da língua;

deixai-me agora falar

do fruto que me fascina,

pelo sabor, pela cor,

pelo aroma das sílabas:

tangerina, tangerina.

 

Eugénio de Andrade,

Poetas de Hoje e de Ontem --

do Século XIII ao XXI, para os mais novos

(Maria de Lourdes Varanda & Maria Manuela Santos)

publicado por RAA às 18:58 | comentar | ver comentários (2) | favorito
02
Jul 14

SONETO MORAL

Horas breves do meu contentamento

Nunca me pareceu, quando vos tinha,

Que vos visse mudadas tão asinha

Em tão compridos anos de tormento.

 

Os meus castelos, que fundei no vento,

O vento mos levou, que mos sostinha,

Do mal, que me ficou, a culpa é minha,

Pois sobre as cousas vãs fiz fundamento.

 

Amor com falsas mostras aparece,

Tudo possível faz, tudo assegura,

E logo no melhor desaparece.

 

Oh dano grande, oh grande desventura!,

Que, por pequeno bem, que em fim falece,

Se aventura um bem que sempre dura!

 

Infante D. Luís

(M.ª Ema Tarracha Ferreira,

Antologia Literária Comentada - Século XVII)

publicado por RAA às 21:48 | comentar | favorito
02
Jul 14

...

Em certos dias

há um júbilo de claridade

um domínio absoluto de rectidão

e louvor

às vezes, basta um ínfimo gesto

para acender a palavra branca

a voragem da sílabas

na orla da tinta.

 

Fernando Jorge Fabião,

Na Orla da tinta

publicado por RAA às 18:41 | comentar | favorito
01
Jul 14
01
Jul 14

LE LABOUREUR ET SES ENFANTS

Travaillez, prenez la peine;

C'est le fons qui manque le moins.

Un riche laboureur, sentant sa morte prochaine,

Fit venir ses enfants, leur parla sans témoins.

"Gardez-vous, leur dit-il, de vendre l'héritage,

Que nous ont laissé nos parents.

Un trésor est caché dedans.

Je ne sais pas l'endroit; mais un peu de courage

Vous le fera trouver, vous en viendrez à bout.

Remuez votre champ dès qu'on aura fait l'août.

Creusez, fouillez, bêchez, ne laissez nulle place

Où la main ne passe et repasse."

Le père mort, les fils von retourner le champ,

Deçà, delà, partout; si bien qu'au bout de l'an

Il en rapporta d'avantage.

D'argent, point de cachá. Mais le père fut sage

De leur montrer, avant sa mort,

Que le travail est un trésor.

 

La Fontaine

(in Pierre Rippert,

Dictionnaire Anthologique de la Poésie Française)

publicado por RAA às 18:16 | comentar | favorito