29
Set 14
29
Set 14

MORNA

É já saudade a vela, além.

Serena, a música esvoaça

na tarde calma, plúmbea, baça,

onde a tristeza se contém.

 

Os pares deslizam embrulhados

de sonhos em dobras inefáveis.

 

(Ó deuses lúbricos, ousáveis

erguer então, na tarde morta

a eterna ronda de pecados

que ia bater de porta em porta!)

 

E ao ritmo túmido do canto

na solidão rubra da messe,

deixo correr o sal e o pranto

-- subtil e magoado encanto

que o rosto núbil me envelhece.

 

Daniel Filipe, A Ilha e a Solidão,

 

in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban I

publicado por RAA às 18:23 | comentar | favorito
25
Set 14
25
Set 14

"Silêncio"

Silêncio

 

 

 

Mestre

 

 

 

O mestre

 

 

 

Supremo

 

Yèvre-le-Châtel

7 de Julho 90

 

Alberto de Lacerda

publicado por RAA às 13:15 | comentar | favorito
24
Set 14
24
Set 14

"Admitamos que tenhas resolvido o enigma da criação."

Admitamos que tenhas resolvido o enigma da criação.

Qual é o teu destino?

Admitamos que tenhas podido desvendar a Verdade?

Qual é o teu destino?

Admitamos que tenhas vivido cem anos, feliz, e que vivas outros cem:

Qual é o teu destino?

 

Omar Khayyam, Rubaiyat

(trad. Fernando Castro)

publicado por RAA às 13:45 | comentar | favorito
22
Set 14
22
Set 14

CHORA À VONTADE, FILHA!

Só te quero dar orgasmos

Se não forem vaginais

Qu'ejacules à vontade

Das bolsas lacrimais

 

Dick Hard, De Boas Erecções Está o Inferno Cheio

publicado por RAA às 13:00 | comentar | favorito
19
Set 14
19
Set 14

O SONHO

Pelo Sonho é que vamos,

comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?

Haja ou não haja frutos,

pelo Sonho é que vamos.

 

Basta a fé no que temos.

Basta a esperança naquilo

que talvez não teremos.

Basta que a alma demos,

com a mesma alegria,

ao que desconhecemos

e ao que é o dia-a-dia.

 

Chegamos? Não chegamos?

 

-- Partimos. Vamos. Somos.

 

Sebastião da Gama,

Pelo Sonho É que Vamos

publicado por RAA às 13:46 | comentar | favorito
18
Set 14
18
Set 14

"Não sei de outra medida"

Não sei de outra medida

de outra minúcia de outro olhar

 

Não sei de outra voz

reclinada na linguagem do ar

ou na cegueira de um astro

 

Não sei de outra escassez

ou sabor

sem a luz de um ombro. Não sei.

 

Fernando Jorge Fabião,

Na Orla da Tinta

publicado por RAA às 13:25 | comentar | favorito
17
Set 14

NO TEMPLO DA MONTANHA

Noite no templo

          do alto da montanha.

Posso levantar a mão,

          acariciar as estrelas,

mas não ouso falar

          em voz alta.

Receio assustar

          os habitantes do céu.

 

Poemas de Li Bai

(versão de António Graça de Abreu)

publicado por RAA às 20:46 | comentar | favorito
17
Set 14

A JÚLIO -- SAUL DIAS

Antes que o vento

venha e, hostil, desfaça

o que em mim há de puro ainda

-- gostava de cantar.

 

Antes que a noite

desça e, subtil, perturbe

mais o meu ser com seu mistério denso

-- gostava de cantar.

 

Antes que a vida

me arraste, pise e esmague

na torva confusão de ódios e lutas

-- gostava de cantar.

 

Antes que o mundo

me estreite mais no seu abraço imundo

(tão raras vezes belo)

-- gostava de cantar.

 

Luís Amaro,

Diário Íntimo /

Série Poeta -- Homenagem a Júlio / Saul Dias (2001)

publicado por RAA às 13:28 | comentar | favorito