19
Mar 15
19
Mar 15

BALADA DO REPARADOR DE INJUSTIÇAS

A sua cimitarra brilha como a neve,

       no cavalo branco, sua cela, recamada a prata,

faísca fugaz como estrela cadente.

       Ele chega como o vento,

parte como uma vaga,

       mata aqui um homem, mais além um outro.

Percorre, num ápice, dez mil li,

       sacode depois o casacão e desaparece,

ninguém sabe para onde,

       ninguém conhece o seu nome.

 

Poemas de Li Bai

(versão de António Graça de Abreu)

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14
Mar 15
14
Mar 15

DA CONDIÇÃO HUMANA

Todos sofremos.

O mesmo ferro oculto

Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta.

O mesmo sal nos queima os olhos vivos.

Em todos dorme

A humanidade que nos foi imposta.

Onde nos encontramos, divergimos.

É por sermos iguais que nos esquecemos

Que foi do mesmo sangue,

Que foi do mesmo ventre que surgimos.

 

José Carlos Ary dos Santos, 

A Liturgia do Sangue / Obra Poética

publicado por RAA às 23:46 | comentar | favorito (1)
09
Mar 15
09
Mar 15

VIDA E OBRA

você sabe o que Kant dizia?

que se tudo desse certo no meio também

daria no fim dependendo da idéia que se

fizesse de começo

e depois -- para ilustrar -- saiu dançando um

foxtrote

 

Antonio Carlos de Brito,

in Heloisa Buarque de Hollanda, 26 Poetas Hoje (1976)

publicado por RAA às 13:50 | comentar | favorito
08
Mar 15
08
Mar 15

SONETO

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,

Toldam-se os olhos donde corre a vida.

Porquê esperar, porquê, se não se alcança

Mais do que a angústia que nos é devida?

 

Antes aproveitar a nossa herança

De intenções e palavras proibidas.

Antes rirmos do anjo, cuja lança

Nos expulsa da terra prometida.

 

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,

Antes o olhar que peca, a mão que rouba,

O gesto que estrangula, a voz que grita.

 

Antes viver dos que morrer no pasmo

Do nada que nos surge e nos devora,

Do monstro que inventámos e nos fita.

 

José Carlos Ary dos Santos,

Liturgia do Sangue / Obra Poética

publicado por RAA às 23:23 | comentar | favorito
04
Mar 15
04
Mar 15

"Sílabas tão leves"

Sílabas tão leves

que nem a água

estremece.

 

Fernando Jorge Fabião, Na Orla da Tinta

publicado por RAA às 19:29 | comentar | favorito (1)
02
Mar 15
02
Mar 15

NOÉ

Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão

mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,

gasto o martelo. E o pior também:

correr o mundo a recolher os bichos, 

coisas de nada como formigas magras,

e os outros, os grandes, os que mordem

e rugem. E sei lá quanto são!

Em que assados me pões. Tu

gastaste seis dias, e eu nunca mais cabo.

Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,

a escolher os melhores, os de melhor saúde,

que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.

Um por um, e por uma, é claro, é aos pares

-- o espaço que isso ocupa.

 

Mas não é ser carpinteiro,

não é ser caminheiro,

não é ser marinheiro o que mais me inquieta.

Nem é poder esquecer

a pulga, o ornitorrinco.

O que mais me inquieta, Senhor, 

é não ter a certeza,

ou mais ter a certeza de não valer a pena,

é partir já vencido para outro mundo igual.

 

Pedro Tamen, Analogia e Dedos

publicado por RAA às 08:44 | comentar | favorito (1)