PERSISTÊNCIA
Desmembrado, o corpo. Apenas um rosto,
a imobilidade larvar da carne
e o silêncio só excedido pelo livor
que, sobre as feições, vai baixando,
sem doçura, nem misericórida.
Cerrados, os lábios configuram
a nudez próxima da maxila.
O sangue é já pó na poeira gretada
e o riso claro dos deuses,
que a brisa ligeira arrasta,
dissolve-se na frágil memória
da erva. Pela noite dentro,
na pausa lenta que perdura,
insinuante, sílaba a sílaba,
pertinaz instala-se o canto.
Rui Knopfli, O Corpo de Athena (1984)