24
Abr 12

IMAGEM

No filme azul do desdobrado céu

decantarei a mínima magia

das sensações mais puras, melodia

da minha infância, onde era apenas Eu.

 

Da realidade nua desce um véu

que, já sem mar, apenas maresia,

me vem tecer aquela chuva fria

que prende esta janela ao claro céu.

 

Despido o ouropel desvalioso,

já não apenas servo, mas o Rei

da luz da minha lâmpada romeira,

 

assim procuro o centro misterioso

do mundo que hoje habito, onde serei

concêntrica expressão da vida inteira.

 

Alberto de Lacerda

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07
Nov 11

RENÚNCIA

Deixei enfim de pedir

Eternidade ao amor

 

Aceito o ritmo sem ritmo

Que há por dentro desse ritmo

Que não se vê não se ouve

Mas eu sinto deslumbrado

Quando os teus olhos acendem

Os corredores da noite

 

Alberto de Lacerda

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07
Out 11

MANDIMBA METÓNIA VILA CABRAL

Infância triste mas encantada

Em casas grandes mas sombrias

Outras crianças não as havia

Os meus amigos? Dois grandes gatos

A luz e o vento a água a água

 

Se alguém tocava velho e roufenho

O gramofone de manivela

Eu perturbava-me e a quem me via

Com lágriimas que não entendia

 

Havia festas de vez em quando

Eram janelas do paraíso

Lembro os adultos Como eram estranhos

Como eram estranhos e imprevistos

 

Como eu sentia que não sei onde

Um outro reino de festa e luz

Inteiramente me pertencia

E só de longe naquelas casas

Naquela gente que me era fria

Muito por alto se reflectia

 

Vila Cabral, 22-2-63

 

Alberto de Lacerda

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08
Set 11

L'ISLE JOYEUSE

Ó festa de luz de mar tranquilo
De casas brancas dum branco rosa
Dum tempo antigo que aqui ficou

Ó ilha pura incandescente
Que me geraste três vezes mãe
Três vezes para mim sagrada
Por teres deuses tão variados
Por seres livre da liberdade
Que os deuses gregos orientais
Marcaram a fogo um fogo alegre
Naqueles seres naquelas ilhas
Que eles nomeiam seus próprios filhos
Por motivos sobrenaturais

Ilha de Moçambique, 1-3-1963

Alberto de Lacerda
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23
Ago 11

REGRESSO

Não vim à procura de nada
Nem de saudades que não tenho
Nem de carga do tempo perdido
Nem de conflitos sobrenaturais
Do tempo e do espaço

Amei desde criança
Certas coisas que não choro
Fui a pureza deslumbrada que não volta jamais
O vidro sem ranhura que o sol atravessa
A pureza
Que me deixou feridas imortais

Vim para ver
Para ver de novo
Para contemplar sem perguntas

Não vim à procura de nada
Não me perguntem por nada
Um rio não se interroga
O vento não se arrepende

Vila Cabral, 22-2-63

Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 11:18 | comentar | favorito
30
Jun 11

AO LONGE, A VIDA

Agora eu sou a margem indiferente deste rio,
deste rio da Vida, que passa sem me ver...
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
O que ambicionou tudo o que não veio...
Eu sou o tédio, eu sou a morte... eu sou o frio...
Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 14:29 | comentar | favorito
04
Jun 11

NOVEMBRO

O oiro deste mês é insuportável.

Filho do sol eu não merecia
A abundância destas folhas pelo chão.
2-11-1963

Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 23:41 | comentar | favorito
18
Mai 11

IMPROMPTU

E assim te foste, luz de vaga-lume,
feita de segredo e brevidade.
Impossível definir aquele perfume
que o teu surgir me trouxe nessa tarde.

Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 23:50 | comentar | favorito
02
Mai 11

...

O alto da montanha deixou de brilhar

O alto da montanha era um corpo
Um rosto
Um olhar demorado em seu brilho secreto
E perigoso

O alto da montanha era neve e era fogo

Num dia misericordioso deixou de brilhar
Para mim

Ardera tudo até ao último suspiro

À derradeira lágrima

Londres
24 de Abril 97

Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 22:55 | comentar | favorito
17
Abr 11

...

A manhã é um leque
Branco
Desdobrado até
Aos quatro pontos cardeais

Sol branco
Imperador fraterno
Do azul muito ténue

Yèvre-le-Châtel
25 de Junho 90

Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 22:29 | comentar | favorito