MORTE E TRANSFIGURAÇÃO

Cinzas, vergões, renúncias, cicatrizes,

Laceram-nos a esperança, mas dão outra.

Essa em que a dor nos faz criar raízes,

Árvore e fruto duma seiva nova.

 

Dos abismos da ira levantamos

As vozes, os protestos e as trombetas.

Só nos ouvimos quando nos calamos

E em vez de arautos nos tornamos poetas.

 

Cantores das coisas que nos doem, magos

Da nossa angústia, frémito das águas

Onde nos debruçamos, onde nós,

 

Narcisos do que é grande e impossível,

Nos transformamos por amor da voz

Enquanto a imagem nos parece inútil.

 

José Carlos Ary dos Santos, A Liturgia do Sangue (1963)

publicado por RAA às 13:16 | comentar | favorito