03
Mar 13

BÚZIO DO MAR

Praguejam pescadores: Ora esta, ora esta,

O mar na praia é um tambor em festa!

 

Danado e rouco ele há lá quem o fateixe!

O mar não anda bom...

E som, e som, som-som,

deita a fugir o peixe.

 

Meus patrícios, poveiros tal e qual

É a nobreza maior de Portugal!

 

Mesmo sou duma aldeia à beira-mar,

E ouço-o bem duas légias em redol:

Meio ano a lavoirar,

Outro meio ao anzol!

 

Meus patrícios cada qual

Tem o seu bote que é o seu casal.

 

Mas, o Oceano, o mar não anda bom:

Ondas são trambulhões, e trambulhões de som!

 

Ó mar, meu brutamontes,

Música, deixa ouvi-la da noitinha:

Eu quero ouvir o murmurar das fontes

Que a noite já se avizinha...

 

Afonso Duarte

presença #16

Coimbra, Novembro de 1928

publicado por RAA às 05:02 | comentar | favorito
16
Jan 11

BENDITO O FRUTO

Benza-os Deus:
Os frutos acres, as cerejas, as laranjas,
Se ao beijo da manhã o sol descobre;
Laranjas -- frutos de oiro à Apollinaire
E brincos de cerejas,
Coradas de pudor à António Nobre.

Bendito o fruto, a mulher.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 23:05 | comentar | favorito
13
Jan 11

DESCONCERTANTE

Há frescura nos contos infantis,
Há perfumes no ar, rosas primaveris
Nos jardins.
Mas, na Rua, há arcos de palhaça
Por onde passam galgos, -- belos cães do pólo;
O amor e a desgraça,
Mãos pedintes, as mães, com filhinhos ao colo!

Mas, como bola dentro de assobio,
Ou presos na amurada dum navio,
Há olhos na cadeia -- olhando às grades!

-- Porque deixaram livre o manequim
E me prenderam a mim?

Cá fora, os lenços vão molhados de saudades.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 23:57 | comentar | favorito
22
Out 10

IDEIAS

Honra: Brio: Dignidade:
Onde estais? Quem vos preza?
-- Não posso viver pobre. A frialdade
Que me dá toda a pobreza!

Lembram-me bichos, carochas, centopeias,
Musgo, paredes húmidas, bolores,
Ao pensar na pobreza! -- Ideias.
E causam-me suores.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 18:17 | comentar | favorito
26
Set 10

REMOINHO

Nos ares nada está quedo,
Faz vento que mete medo,
Turva poeira arrepia.

Uiva o Diabo, assobia...

E o vento as coisas embrulha
Que nem palha na debulha.

Folhas, ao sopro daninho,
Gaivotam reviravoltas
Que nem velas de moinho.

Andam Diabos às soltas...

Ramos cá, ramos além,
Sofrem tratos de polé,
E mal um homem se tem
Firme e senhor de seu pé.

-- Ó passarinho, não fujas!
-- Poisa nos ramos mais altos!?
Até no bico das corujas
A Natureza dá saltos.

Afonso Duarte

publicado por RAA às 23:41 | comentar | favorito
25
Set 10

EXÍLIO

O branco é gesso, é cal para as ossadas,
E eu não lhe encontro asseio de alegria;
Caiei por isso a rosa-alexandria
Minhas quatro paredes exiladas.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 23:51 | comentar | favorito
22
Set 10

ONTEM

O antigo é a doença que eu mais detesto:
É viciar o que já foi virtude!
O tornar ao Passado é sempre um resto,
Ou pior, uma falta de saúde.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 20:54 | comentar | favorito
18
Set 10

HOJE

Podem encher-me os punhos de grilhetas
Ou pregar numa cruz a vida minha;
Não é canto propício de poetas
O velho medo que guarda a vinha.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 13:40 | comentar | favorito
14
Set 10

MAGIA DOS PIRILAMPOS

Cintilam na resteva os pirilampos:
-- Bailados de luz viva, logo morta.
Anda a crença a bater de porta em porta
Que há alminhas penadas pelos campos.

Luzem na floresta às vezes tantos
Que ao luzeiro macabro, além, da horta
Um frio gume de medo me recorta
-- O infantil medo que se esconde aos cantos.

E despedindo lume entre os silvedos,
Cruzam de agoiro a noite e de bruxedos,
Luzes de feiticeiras contradanças.

«Pirilampos debaixo da maquia»
Que vezes me embruxou vossa alquimia
Que magos! -- «para engano das crianças».

Afonso Duarte
publicado por RAA às 11:32 | comentar | favorito
03
Set 10

CANÇÃO DO NU

Lindo
Mármore precioso que na alcova
Surpreendi dormindo!
E lindo
À luz dum fósforo, acendido a medo,
Despertou sorrindo.
E, lindo,
Dos olhos as meninas me saltaram
Para o nu que se estava descobrindo.

Linda!
Ficou-se ao desgasalho adormecida,
Ai vida,
Como ainda não vi coisa tão linda.

Linda,
Braços abertos em desnudo amplexo,
Seu corpo era uma púbere mendiga,
E ele é que estava pedindo,
Lindo,
O meu sexo.

Afonso Duarte
publicado por RAA às 12:45 | comentar | favorito