20
Jan 16

ÀS CHAGAS

Divinas mãos e pés, peito rasgado,
Chagas em brandas carnes imprimidas,
Meu Deus, que, por salvar almas perdidas,
Por elas quereis ser crucificado.

Outra fé, outro amor, outro cuidado,
Outras dores às Vossas são devidas,
Outros corações limpos, outras vidas,
Outro querer no Vosso transformado.

Em vós se encerrou toda a piedade,
Ficou no mundo só toda a crueza,
Por isso cada um deu o que tinha:

Claros sinais de amor, ah, saudade!
Minha consolação, minha firmeza,
Chagas do meu Senhor, redenção minha.

Frei Agostinho da Cruz

in José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler (1956)

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03
Fev 14

DA QUIETAÇÃO

Dos males, que passei no povoado,

Fugi para esta Serra erma e deserta,

Vendo que quem servir seu Deus acerta,

Certo tem tudo o mais ter acertado.

 

E para mais pureza ser forçado

Mostrar a paciência descoberta,

Que quando o tentador se desconcerta,

O paciente fica concertado.

 

Passou a furiosa tempestade,

Ouve-se a voz da rola em nossa terra,

Soando com maior suavidade.

 

Cobriu-se d'alvas flores toda a Serra,

A minha alma de doce saudade,

Em paz me faz amor divina guerra.

 

Frei Agostinho da Cruz, Sonetos e Elegias /

/ A Serra da Arrábida na Poesia Portuguesa

(edição de António Mateus Vilhena e Daniel Pires)

publicado por RAA às 19:46 | comentar | favorito
25
Ago 11

DA SERRA DA ARRÁBIDA

Do meio desta Serra derramando
A saudosa vista nas salgadas
Águas humildes, quando e quando inchadas,
Conforme a qual o tempo vai soprando,

Estou comigo só considerando,
Donde foram parar cousas passadas,
E donde irão presentes mal fundadas,
Que pelos mesmos passos vão passando.

Oh! Qual se representa nesta parte
Aquela derradeira hora de vida
Tão devida, tão certa, e tão incerta!

Em quantas tristes partes se reparte,
Dentro nesta alma minha, entristecida,
A dor, que em tais extremos desperta!

Frei Agostinho da Cruz
publicado por RAA às 10:52 | comentar | favorito
06
Set 10

A QUEM LER

Os versos que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando por haver tão mal cantado.

Se nestes não ficar tão desculpado
Quanto o mais alto estilo requeria,
Não me podem negar a melhoria
Da mudança que fiz de um no outro estado.

Que vai que sejam bem, ou mal aceitos?
Pois os não escrevi para louvores
Humanos, pelo menos perigosos,

Senão para plantar em frios peitos
Desejos de colher divinas flores
À força de suspiros saudosos.

Frei Agostinho da Cruz
publicado por RAA às 00:13 | comentar | favorito
17
Ago 10

...

Quão tarde se sente,
quão tarde se entende
quanto bem depende
de fugir da gente!

Frei Agostinho da Cruz
publicado por RAA às 15:36 | comentar | favorito
23
Fev 09

À NOITE DE NATAL

Era noite de inverno longa e fria,
Cobria-se de neve o verde prado;
O rio se detinha congelado,
Mudava a folha cor, que ter soía.

Quando nas palhas duma estrebaria,
Entre dois animais brutos lançado,
Sem ter outro lugar no povoado
O Menino Jesus pobre jazia.

-- Meu amor, meu amor, porque quereis
(Dizia Sua Mãe) nesta aspereza
Acrescentar-me as dores que passais?

Aqui nestes meus braços estareis;
Que, se Vos força amor sofrer crueza,
O meu não pode agora sofrer mais.

Frei Agostinho da Cruz
publicado por RAA às 00:41 | comentar | favorito (1)