09
Fev 18

"mulher pela casa fora pastora do meu sexo"

mulher pela casa fora pastora do meu sexo

de manhã perdida à tarde encontrada

afinal parecida com o líquen sobre as árvores

 

e outra vez

sem medo nem cuidado amar morrer

 

vozes falam de ti durante o dia

luzes brancas na bruma

frechas do sangue

 

ao tempo em que aprendias e depois

amor quase a tristeza

 

e depois amor quase gritaste

 

Fernando Assis Pacheco, Memórias do Contencioso (1976)

 

 

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16
Nov 17

"no ano em que eu era comido pelo escorbuto"

no ano em que eu era comido pelo escorbuto

chegavam as tuas enviadas com limões de oiro

 

tu própria ias dessedentando a boca da viola

para salvar-me o canto

 

eis a ditosa amada, escrevi então

minha pátria

 

Fernando Assis Pacheco, Memórias do Contencioso (1976)

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12
Abr 17

"o copo sobre a mesa"

o copo sobre a mesa

transparente

para ser cheio

da tua vida

espessa até ao cimo

 

Fernando Assis Pacheco, Memórias do Contencioso (1976)

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12
Nov 13

Memórias do Contencioso

 
autor: Fernando Assis Pacheco (Coimbra, 1.II.1937 -- Lisboa, 30.XI.1995)
título: Memórias do Contencioso
colecção: «Reportório de Cegos» #1
editora: Heptágono
local: Lisboa
ano: 1976
págs.: 8
dimensões:2,4x14,5xo,1 cm. (brochado)
impressão: J. J. Magalhães, Lisboa
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04
Jul 13

"não pude amar mais nada"

não pude amar mais nada

não pude amar mais ninguém

e mesmo que te minta

é o contrário disso

 

e mesmo que te minta

é a verdade seca

posta ali às avessas;

não pude amar mais claro

 

Fernando Assis Pacheco,

Memórias do Contencioso

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30
Jan 12

...

Por uma cona assim eu perco o tino

e tudo o mais desamo que não faça

como rata em soneto de Aretino:

a um caralho dar frequente caça

 

porque essa cona tem da melhor raça

a traça que se diz «donaire fino»

se rosto fora ela e não conaça

onde o tesão divino toca o sino

 

com uma cona assim aquel'menino

Cupido troca as setas pela maça

martela meus colhões num desatino

que do Rossio ecoa até à Graça

 

ela é a melhor rata que dá caça

a este meu javardo de inquilino

 

Lisboa

28-XII-81

 

Fernando Assis Pacheco

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09
Jan 12

OLIVAIS, COIMBRA

Era de noite e eu pensava

não: era de noite uma outra noite mais antiga do que a narrativa deixa subentender

não: era de noite agora e na hora e eu que me enrolava pensando na morte do meu

                                                                                                                              [corpo

 

não: era de noite àquela hora a alegria

das casas funde-se com um estalido cruel

diante do poema não: quando à garganta vai subir

o primeiro poema informe

 

o pai dormia (uma cidade dormia) não: no meio do Verão

em Coimbra atacado pelo perfume aflitivo das hortênsias ou era

um clic na madeira vendo-se longe o Tovim o Picoto luzes

inverosímeis

 

essa noite é que o miúdo pensava na brevidade de tudo isto

 

Fernando Assis Pacheco

publicado por RAA às 19:55 | comentar | favorito
01
Jan 12

PESO DE OUTONO

Eu vi o Outono desprender suas folhas,

cair no regaço de mulheres muito loucas.

Cem duzentas pessoas num café cheio de fumo

na cidade de Heidelberg pronta para a neve

saboreavam tepidamente a sua ignorância.

 

Eu vi as amantes ensandecerem

com esse peso de Outono. Perderem as forças

com o Outono masculino e sangrento.

Os gritos a meio da noite

das amantes a meio da loucura voavam

como facas para o meu peito.

 

Alguns poetas li-os melhor no Outono,

certos amores só poderia tê-los,

como tive, nos dias doce da vindima.

 

Fernando Assis Pacheco 

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24
Dez 11

...

de todas a mais volátil

é a categoria tempo

 

Fernando Assis Pacheco

publicado por RAA às 02:45 | comentar | favorito
01
Nov 10

...

e sequem-se-me os dedos a cabeça
estoire e não fique de tudo uma palavra
se a maldição for tanta que eu te esqueça

e não reste sequer o chão e não de quantas ruas e
não já reste cidade

e seja a memória deste homem um escárnio ocultado por quinze
                                  [gerações de vindouros
com seus cães que se deitam aos pés das pessoas e parecem
                                   [adivinhar a linguagem monstruosa
das narinas resfolegando

se a maldição for tanta e tão pérfida
que eu te esqueça na morte, que eu te esqueça

Fernando Assis Pacheco
publicado por RAA às 13:33 | comentar | favorito