29
Jan 14

"Retirados à altura da sua idade, ouviam."

Retirados à altura da sua idade, ouviam.

Mas ouviam frequências onde o rumor do mundo,

esbatido, somente amanhecia

azul visível, atento timbre e pulso.

Ouviam tudo quanto a si se ouvia

no concerto de tudo.

E nessa solidão de intensa companhia

em que a altura da idade era um azul profundo.

 

Fernando Echevarría

Relâmpago #2 (1998)

 

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03
Set 13

ADÃO E EVA...

2.

 

E, além de feliz, era a nudez

encontro de surpresa e de substracto

-- dentro palpites de sinais, e até

intento a consumar o corpo, em estado

de o espírito iluminar a tez

que também se enriquece à luz do tacto.

Ou a surpresa é dar-se o estar a ser

com o dentro a difundir o seu espaço

num paraíso de animais que vêm

ao encontro de serem nomeados.

 

Fernando Echevarría

Relâmpago#2,

Lisboa, 1998

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03
Jul 13

ADÃO E EVA...

1.

 

Feliz era a nudez. Vinha diurna

de dentro de si mesma. Porque o dia

ressumbrava recente desde a sua

novidade de pasmo. E de pupila

apta à evidência. E, por isso, arguta,

sem deduzir-se duma argúcia activa.

Onde fossem seus passos a espessura

entregava o seu fervor de enigma

para, depois, se recolher. Ter junta

e pronta a ordem de nova epifania.

Era a nudez da inteligência. Abrupta

e, ao mesmo tempo, de precisão tão íntima

que até os recantos justos da penumbra

recrutavam a luz da perspectiva.

 

Fernando Echevarría,

Relâmpago #2 (1998)

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13
Set 11

...

Promontório de Deus. De onde ele se ausenta.
Só nos deixando a grande nostalgia
na sua massa espessa.
Que abre distância de recuo assídua
e alarga a inteligência
por uma busca quase festiva.
Ou mais, talvez, por uma via tensa
de júbilo e sentido. E, até, sofrida
na sua panda activação de vela.
Que vai sofrendo e activando a vinda
da invisibilidade, da surpresa
inominada, que procura ainda
seu nome peremptório. Mas nomeia
essa distância a distanciar-se
implícita.
Ou promontório de onde Deus se ausenta
para auscultarmos sua face viva.

Fernando Echevarría
publicado por RAA às 11:53 | comentar | favorito
06
Dez 10

...

A penúria da língua é a sua força.
Reconhecendo nela a indigência
mais o apuro se empolga
e a submissão empolga a subtileza
do espírito, dado a obra
e a mais nada que não seja ela.
De aí que se desenvolva
uma abertura hiante de surpresa
que pede língua cada vez mais nova
e de mais adequada obediência.
Ou, se quiserem, língua peremptória.
Porque, vinda do fundo da pobreza,
entrega apenas quanto falta. E torna
a sua falta uma abertura imensa,
indigitando o extremamente fora,
cuja ausência feliz se nos entrega.

Fernando Echevarría
publicado por RAA às 17:45 | comentar | favorito
17
Set 10

AMOR À VISTA

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...

Fernando Echevarría
publicado por RAA às 16:16 | comentar | favorito