05
Fev 14

UMA FLAUTA TOCA

Múrmura brisa

me traz o som

da flauta clara

lá na montanha

enluarada.

Onde haverá

flauta tocada

no coração

que me retorne

ao lar?

De brisa o som

enche-me as salas

tal como o luar

cobre as montanhas

e os vales.

 

Noite como esta

as hordas bárbaras

no Norte entraram.

E a melodia

me acompanhava

na longa via

em que fugia

até o Sul.

Quando o salgueiro

os ramos pende

na noite fria

nus.

No triste inverno

como esperar

pelo milagre

de lhe nascerem

folhas?

 

Tu Fu

Jorge de Sena,

Poesia de 26 Séculos

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02
Set 13

NAVIOS DE CARGA

Quinquerreme  de Ninive que vem da Ofir distante

remando volta ao porto na Palestina ensolarada,

com carga de marfim,

macacos e pavões,

sândalo, cedro, e vinho branco doce.

 

Majestoso galeão espanhol regressado do Istmo,

cruzando o trópico nas praias verdes de palmeiras,

com cargas de diamantes,

esmeraldas, ametistas,

topázio, canela e moidores de ouro.

 

Sujo cargueiro britânico com a chaminé incrustada de salitre

aos baldões no Canal por um dia de borrasca em Março,

com carga de carvão no Tyne,

carris, chumbo fundido,

madeira, ferragens, e pratos de lata ordinária.

 

John Masefield

in Jorge de Sena, Poesia do Século XX

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04
Jul 13

"Acesa a lâmpada p'la noite adiante"

Acesa a lâmpada p'la noite adiante,

e o meu amado sempre ardente amante.

Mas quão de amor sabia o meu amado!

O amor fazia com subtil cuidado.

Que a cama, de indiscreta, rangeria

para contar ao mundo o que sentia.

 

poema sânscrito anónimo,

Índia Clássica,

Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos

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21
Jun 13

"Estuando em risos no prazer de dar-se"

Estuando em risos no prazer de dar-se,

a minha amada com ardor lutava

para ganhar a palma da vitória.

No frágil corpo a força lhe faltava;

e quando percebeu que o grande feito

além do seu poder se conservava,

exausta se quedou antes do fim,

e só com o ansioso olhar me suplicava

que o que faltava me coubesse a mim.

 

poema sânscrito anónimo,

Índia Clássica,

Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos

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17
Jun 13

ERVA

Amontoem cadáveres em Austerlitz e Waterloo,

Enterrem-mos bem e deixem-me à solta --

          Eu sou a erva, escondo tudo.

 

Montes de corpos em Gettysburg

E montes de corpos em Ypres e Verdun.

Enterrem-mos bem e deixem-me à solta.

Dois anos, dez anos, e os passageiros para o condutor:

          Que sítio é este?

          Agora, onde estamos?

 

          Eu sou a erva,

           Deixem-me à solta.

 

Carl Sandburg

Jorge de Sena, Poesia do Século XX

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05
Jun 13

"Quando ele quis ver-lhe os seios"

Quando ele quis ver-lhe os seios,

          num forte abraço o cingia.

Quando quis beijar-lhe os lábios,

          a pintura destingia.

E os dedos dele prendeu

          nas pernas que forte unia.

E ao desejo não cedia,

          que era ela quem acendia.

 

Poema sânscrito anónimo,

Índia, época clássica

in Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos

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11
Abr 13

NEVOEIRO

A névoa chega

Com pés de lã.

 

Pára buscando

Em porto ou cidade

As pistas silentes:

Depois, lá vai.

 

Carl Sandburg

in Jorge de Sena, Poesia do Século XX

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03
Abr 13

"Tão firmes são suas ancas"

Tão firmes são as suas ancas,

de tão suave interior,

que não há no mundo imagens

para dizê-las melhor.

 

Poema sânscrito anónimo

in Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos

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29
Jan 13

"Com mãos aflitas suas vestes busca,"

Com mãos aflitas suas vestes busca,

a desfeita grinalda atira à lâmpada,

rindo confusa, e só procura ansiosa

cobrir-se aos olhos meus. Ah como é doce

fitá-la assim, depois que nos amámos!

 

Amaru

(in Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos)

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28
Set 12

"AO VER A SUA BOCA AO PÉ DA MINHA BOCA"

Ao ver a sua boca ao pé da minha boca,

desviei o olhar. E as mãos pus nos ouvidos,

quando as palavras dele retiniam.

Também escondi com as mãos o suor de enleio

que a fronte me perlava. Tentei tudo.

Mas que fazer, quando senti que as vestes

por si caíam pelo meu corpo abaixo?

 

Amaru

(Jorge de Sena)

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