18
Dez 14

"Veio, primeiro, pura"

Veio, primeiro, pura,

vestida de inocência;

amei-a como a um menino.

Logo se foi vestindo

de não seu eu que roupagens;

fui odiando-a, sem saber.

Chegou a grande rainha,

faustosa de tesouros...

Que fúria de fel sem sentido!

Mas foi-se desnudando

e eu lhe sorria.

Quedou-se apenas na túnica

de sua inocência antiga.

De novo acreditei nela.

Despiu então sua túnica

e surgiu desnuda toda...

Paixão da minha vida, poesia,

desnuda e minha para sempre!

 

Juan Ramón Jimenez

in Jorge de Sena, Poesia do Século XX (1978)

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23
Jul 14

"Os caminhos desta tarde"

Os caminhos desta tarde

fazem-se um, com a noite.

Por ele irei eu a ti,

amor que tanto te escondes.

 

Por ele irei eu a ti,

como vai a luz dos montes,

como a viração do mar,

como o aroma das flores.

 

Juan Ramón Jimenez, Antologia Poética

(versão de José Bento)

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16
Mai 14

"Quando a mulher está"

Quando a mulher está,

tudo é tranquilo o que é

-- a chama, a flor, a música --.

Quando a mulher partiu

-- a luz, o canto, a chama --,

tudo é, louco, a mulher.

 

Juan Ramón Jimenez

(trad.: José Bento)

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05
Fev 14

"-- Não era ninguém. A água."

-- Não era ninguém. A água. -- Ninguém?

Pois não é ninguem a água? -- Não

há ninguém. É a flor. -- Não há ninguém?

Mas não é ninguém a flor?

 

-- Não há ninguém. Era o vento. -- Ninguém?

Não é o vento ninguém? -- Não

há ninguém. Ilusão. -- Não há ninguém?

Não é ninguém a ilusão?

 

Juan Ramón Jiménez,

Antologia Poética

(trad. José Bento)

 

 

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25
Nov 13

"Sou eu quem anda esta noite"

Sou eu quem anda esta noite,

pelo meu quarto, ou o mendigo

que rondava o meu jardim

ao cair da tarde?...

Fito

tudo em redor e encontro

que o mesmo é, mas distinto...

A janela estava aberta?

Eu não tinha adormecido?

O jardim não estava verde

de luar?... E o céu límpido

e azul... Há vento e nuvens

no jardim ora sombrio...

A minha barba era negra...

De claro eu estava vestido...

Minha barba agora é branca,

estou de luto. Vai comigo

meu andar? Tem esta voz

que ressoa em mim os ritmos

da voz que eu tinha?

Sou eu, ou sou o mendigo

que rondava o meu jardim

ao cair da tarde?...

Fito

em redor... Há vento e nuvens...

O jardim está sombrio...

 

...E vou e venho... É que eu

não havia adormecido?

A barba está branca... E tudo

é o mesmo e é distinto...

 

Juan Ramón Jimenez,

Antologia Poética

trad: José Bento

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17
Jun 13

ADOLESCÊNCIA

Na varanda, um instante

ficámos os dois sós.

Desde aquela manhã

tão doce, éramos noivos.

 

-- Sonolenta, a paisagem

dormia em vagos tons

sob o céu gris e rosa

do poente de outono --.

 

Disse que ia beijá-la;

baixou, serena, os olhos

e ofereceu-me as faces

como perdendo um tesouro.

 

-- Caíam folhas mortas

no jardim silencioso,

e no ar errava ainda

um olor de girassóis --.

 

Não se atrevia a olhar-me;

disse eu que éramos noivos,

... e as lágrimas rolaram-lhe

dos olhos melancólicos.

 

Juan Ramón Jimenez,

Antologia Poética

trad.: José Bento 

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15
Out 10

A ÚNICA ROSA

Todas as rosas são a mesma rosa,
Amor, a única rosa.
E tudo está contido nela,
Breve imagem do mundo,
Amor! a única rosa.

Juan Ramón Jiménez

(Manuel Bandeira)
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