27
Mai 11

NEM NAVIO

Nem navio nem sombra de nuvem no mar
para um adeus de largada...

             Esta saudade infinita
             é uma ilusão que se disfarça.

Grita
que a dor passa!

-- Saudade é voz ancorada...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 13:57 | comentar | favorito
18
Mai 11

RUÍNA

Mar parado na tarde incerta.
No horizonte, uma vela que se perde
atrás da rocha com cara de gente.
Voz sem boca
canta morna monocordicamente
quando o Sol diz adeus no raio verde.

A tarde é morta
na praia deserta.
A voz rouca.
O céu é sangue ou brasa.

Mão decepada acena ao sol ausente
inútil adeus pela porta
que ficou aberta
num muro que já foi casa...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 14:20 | comentar | favorito
03
Mai 11

ENCRUZILHADA

Que disse a Esfinge
aos homens mestiços de cara chupada?

Esta encruzilhada
de caminhos e de raças
onde vai ter?
Por que virgens paragens se prolonga?

Aonde vão nas suas andanças
os homens mestiços de cara chupada?

Que significa para eles o amanhecer?

               Ilhas de heroísmos e derrotas e esperanças
               que a História não escreve
               onde a hora é longa
               e o dia breve...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 12:40 | comentar | favorito
13
Abr 11

CRIOULO

Há em ti a chama que arde com inquietação
e o lume íntimo, escondido, dos restolhos,
-- que é o calor que tem mais duração.
A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação.
Deu-te a fome nas estiagens dolorosas.
Deu-te a dor para que nela
sofrendo, fosses mais humano.
Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão,
e a humildade que nasce do desengano...
E deu-te esta esperança desenganada
em cada um dos dias que virão
e esta alegria guardada
para a manhã esperada
em vão...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 11:57 | comentar | favorito
01
Abr 11

A GARRAFA

Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
          -- se foi criança
          ou o ladrão
          ou filósofo
          quem libertou a sua mensagem
          e a leu para si ou para os outros?

Que se destrua contra os recifes
ou role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja por olhos humanos
que importa?

               ...se só de atirá-las às ondas vagabundas
          libertei meu destino
          da sua prisão?...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 14:26 | comentar | ver comentários (2) | favorito
24
Mar 11

NAUFRÁGIO

Ai a tristeza do vento
chorando...
Ai as nuvens indo à solta
em louca corrida
medrosas, fugindo à mão estendida...
Ai a solidão dos montes
despidos, à nossa volta
onde a vida aos poucos se consome
-- seios nus ensaguentados
onde as raízes
morrem de fome...

... E nos rostos ensombrados
rondam saudades: -- países
navegam velas: -- distâncias...
Gestos parados
caladas ânsias
gritos sem voz...

Dorme o Nosso Senhor Só
dentro de cada um de nós,
envolvido pelo pó
que o vento remexeu e levantou.

Ai este Atlântico triste
que nos deu a nostalgia
dum mundo que só existe
no sonho que ele provocou...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 14:08 | comentar | favorito
14
Fev 11

CAIS

Nunca parti deste cais
e tenho o mundo na mão!
Para mim nunca é de mais
responder sim
cinquenta vezes a cada não.

Por cada barco que me negou
cinquenta partem por mim
Mundo pequeno para quem ficou...

Mundo pequeno para quem ficou...

Manuel Lopes
publicado por RAA às 12:36 | comentar | ver comentários (2) | favorito
27
Ago 10

NOCTURNOS (PORTO GRANDE)

Para Augusto Casimiro
I
Luzes , raras, da baía
saltitam na água macia
-- enguias de ouro a brincar
numa alcatifa negra de veludo --
e multiplicam-se no mar,
no mar sonâmbulo e mudo.
Perpassam gritos
como os que se calam dentro da gente...
Fantasmas negros de lanchas
enchem o porto de manchas,
sacodem mastros aflitos
silenciosamente...
Manuel Lopes
publicado por RAA às 12:14 | comentar | favorito