11
Jul 14

CANÇÃO SAUDOSA

A Saudade vem bater,

Vem bater à minha porta,

Quando o luar é de lágrimas

E a terra parece morta.

 

E a saudade bate, bate,

Com tal carinho e brandura,

Que nem a aurora batendo

À porta da noite escura!

 

Mas eu ouço-te, Saudade...

E o silêncio é tão profundo!

Ouço vozes, choros de alma,

Que ninguém ouve, no mundo!

 

Misteriosas imagens

Passam, por mim, a falar...

Bem entendo o que elas dizem,

Bem o quisera contar!

 

Mas -- que tragédia! -- emudeço.

Caio, de mim, sobre o nada!

Sou a minha própria sombra

Não sei onde projectada!

 

E entra a Saudade... Fiquei

Como assombrado e sem voz!

Sinto-a melhor, que senti-la

É vê-la, dentro de nós.

 

Vinha com ela a tristeza

Que a tarde espalha no ar...

Vinha cercada das sombras

Que andam, na terra, ao luar.

 

E vinha a sombra dos Ermos,

Com os olhos rasos de água...

E os segredos que a noitinha

Vem dizer à nossa mágoa.

 

Vinha a sombra do Marão

Sob a lua em várias fases;

E, no seu rosto de bronze,

Trazia um véu de lilases.

 

Vinha a alma do Desejo,

Toda a arder... Em volta dela,

Giram mundos e fantasmas,

Como em volta duma estrela.

 

Tudo o que é sonho em vigília

No sono da Criação;

E, entre falsas aparências,

É divina Aparição;

 

Tudo vem com a Saudade,

De noite, bater-me à porta,

Quando o luar é de lágrimas

E a terra parece morta...

 

Teixeira de Pascoais,

Terra Proibida / Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira)

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13
Jun 14

CANÇÃO LUARENTA

Vem do Marão, alta serra,

O luar da minha terra.

 

Ora vem a lua nova,

Que é um perfil

De donzela falecida...

Nas claras noites de Abril,

Em névoa de alma surgida,

Anda a errar

E a suspirar,

Em volta da sua cova...

 

Ora vem a Lua cheia...

Rosto enorme

E luminoso,

Num sorriso misterioso,

Por sobre a aldeia

Que dorme...

 

Vem do Marão, alta serra,

O luar da minha terra.

 

Teixeira de Pascoais,

Terra Proibida (1899) / Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira, 1977)

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10
Mar 14

CANÇÃO DA NÉVOA

Tristezas leva-as o vento;

Vão no vento; andam no ar...

Anda a espuma, à tona da água,

E à flor da noite o luar...

 

Vindes dum peito que sofre?

De uma folha a estiolar?

Donde vindes, donde vindes,

Tristezas que andais, no ar?

 

Eflúvios, emanações,

Saídas da terra e do mar,

Sois nevoeiros de lágrimas

Que o vento espalha, no ar...

 

Suspiros brandos e leves

De avezinhas a expirar;

Ermas sombras de canções,

Que ficaram por cantar!

 

Brancas tristezas subindo

Das fontes, que vão secar!

E das sombras que, à noitinha,

Ouve a gente murmurar.

 

Saudades, melancolias,

Que o Poeta vai aspirar...

Melancolias e mágoas,

Que são almas a voar.

 

E o Poeta solitário,

Fica a cismar, a cismar...

Todo embebido em tristezas,

Levadas na onda do ar...

 

E o Poeta se transfigura,

É a voz do mundo a falar!

E aquela voz também vai,

No vento que anda no ar...

 

Teixeira de Pascoais,

Sombras / Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira)

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14
Nov 13

CANÇÃO DUMA SOMBRA

Ah, se não fosse a névoa da manhã

E a velhinha, para ouvir a voz das cousas,

                    Eu não era o que sou.

 

Se não fosse esta fonte, que chorava,

E como nós cantava e que secou...

E este sol que eu comungo de joelhos,

                     Eu não era o que sou.

 

Ah, se não fosse este luar, que chama

Os espectros à vida e se inflitrou,

Como fluido mágico, em meu ser,

                    Eu não era o que sou.

 

Ah, se não fosse o vento, que embalou

Meu coração e as nuvens, nos seus braços,

                    Eu não era o que sou.

 

Sem esta terra funda e fundo rio,

Que ergue as asas e sobe, em claro voo;

Sem estes ermos montes e arvoredos,

                    Eu não era o que sou.

 

Teixeira de Pascoais,

/ Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira)

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18
Fev 13

"Anjo da infância"

Anjo da infância,

Coroado de rosas purpurinas!

Aquele que nos vela o nascimento

E que nos embala o berço...

E, coroado,

De lírios roxos,

Há-de velar a nossa morte

E, à luz da lua, o nosso túmulo,

Pois morrer não é mais do que voltar

A antes de nascer...

 

Teixeira de Pascoaes

 

sc. 1952

S. J. de Gatão

(in Estrada Larga, vol. 1)

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30
Mar 12

A MINHA ALDEIA

Homens, que trabalhais na minha aldeia,

Como as árvores, vós sois a Natureza.

E se vos falta, um dia, o caldo para a ceia

E tendes de emigrar,

Troncos desarreigados pelo vento,

Levais terra pegada ao coração.

 

E partis a chorar.

Que sofrimento,

Ó Pátria, ver crescer a tua solidão!

 

Teixeira de Pascoais

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21
Jan 12

Antologia Poética

autor: Teixeira de Pascoais (Amarante, 8.XI.1977 -- São João de Gatão, Amarante, 14.XII.1952)
título: Antologia Poética
antologiador: Ilídio Sardoeira
colecção: «Cadernos F.A.O.J.» Série C #2
edição: Secretatia de Estado da Juventude e Desportos / Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis
local: Lisboa
ano: [1977]
págs.: 69
dimensões: 21x14,8x0,6 cm. (brochado)
impressão: Sociedade Tipográfica, Lisboa
capa. C. Saphera C.
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10
Nov 10

CANÇÃO DOS TRISTES

Tristes bichinhos nocturnos
Passam a vida, coitados!
Nesses buracos soturnos,
Abafados!

Saudosa flor esmaece
Na leira sequinha e erma...
Que deusa enferma
Em ti, falece?

E a borboleta viúva,
Que tem asas agoirentas,
Nas tardas horas cinzentas
De frio e chuva!

E as almas negras de penas,
Sobre a terra que se molha...
Que silêncio! Ouve-se apenas
Cair a folha...

E a voz do sapo encoberta,
Remota, espectral, sozinha,
Na cor lilás da noitinha
Já deserta...

E a do mocho?
Voz longínqua, sempre aos ais;
Voz do céu dorido e roxo,
Voz da Lua e dos pinhais.

Ermo cântico profundo,
Que se alumbra,
No silêncio deste mundo,
Como um círio na penumbra.

E esse pobre que faz dó,
Falto de siso, a esmolar...
Anda, de noite, ao luar,
A falar só!

Almas velhas e saudosas,
No mais trágico abandono,
Que se confessam às cousas,
Pelo Outono...

Teixeira de Pascoais
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