20
Jul 10

...

As vidas que perdi, ninguém devolve,
Nem os ventos que sabem suas mortes,
Nem a Mãe-d´água que fechou meus olhos,
Poderão devolver o que perdi.

A febre do sertão guarda meu grito,
A seta envenenada minha dor,
Os rios têm meu sangue em suas veias,
Talismãs transformaram minhas almas.

As vidas que perdi, ninguém devolve.
São farrapos de nuvem, são serpentes,
São peixes devorando a lua cheia.

Só a febre que sinto rememora
E me fala de passos esquecidos
Nas léguas que apodrecem com meus corpos.

Paulo Bomfim
publicado por RAA às 19:41 | comentar | favorito

ELLA

Esta voz
-- confia --
faz da noite
o tesouro do dia

João Pedro Mésseder
publicado por RAA às 13:57 | comentar | favorito
20
Jul 10

QUEIXA E IMPRECAÇÕES DUM CONDENADO À MORTE

Por existir me cegam,
Me estrangulam,
Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.


Passo a passo os encontro no caminho
Que os Deuses e o sangue me traçaram.
E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram
Com angústia e com lama.


Passo a passo os encontro no caminho.
Mas eu sigo sozinho!
Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.


Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte
E as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.


Sou eu que me chamo nas vozes que oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo,
Sou eu que me corto a mim mesmo no pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.


Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo,
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.


Sou eu quem de noite lhes perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta.
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.


Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio,
O tédio que pensam, que bebem e comem,
O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.


Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos.
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
De serem inúteis e ficarem vivos.

José Carlos Ary dos Santos
publicado por RAA às 01:15 | comentar | favorito