08
Set 10

AUSÊNCIA

Mais feliz do que eu
nossa mútua ausência
já não te dói.

José Craveirinha
publicado por RAA às 23:01 | comentar | favorito

IMPRESSÕES DA RETINA

Feito no corpo, o gesto de amor,
excede a intuição das pálpebras:
a janela d'água, o coito, a tradição hermética.
E a rapariga caminha do canavial
para o lápis do dia.
Desenha na íris o furo da mais alta cana
desce a salamandra
no sentimento, trai o voo
em traços cada vez mais nítidos.

Gil Nozes de Carvalho
publicado por RAA às 19:24 | comentar | favorito

UM CÃO LADRA

Um cão ladra, do lado de fora, à minha esquerda.
Desafia outras vozes, que agora distingo
mais humanas.
Está no cio, tem fome, apenas desconfia?
Pergunto-me o que seria do mundo
no instante em que todos os animais se calassem.
O que seria a paciência do mundo
sem esta estima e simpatia
sem esta gelatinosa harmonia.

Pergunto-me o que seria cair do sono todos os dias
sem esta batalha perdida.

José Ilídio
publicado por RAA às 17:49 | comentar | favorito

OS BARCOS NA ERICEIRA

Depois do mar frio, antes dos moinhos brancos
que se debruçam como árvores no caminho
dos pássaros, eu sonhei viver. Plantei uma romãzeira
entre as pontes a caminho do norte e dos canaviais,

quando as esplanadas do Inverno fixavam
recados e pombos perdidos na praça.
Sonhei portanto viver enquanto o plátano mais
frondoso viver. Depois disso, nada suportará

a passagem dos navios, a tempestade em tardes
de Outubro, se aí não puder morrer entretanto.

Francisco José Viegas
publicado por RAA às 16:54 | comentar | favorito

POEMA PARA TU DECORARES

Para Hortênsia

Eu, feito corsário de aventuras estranhas,
num dia qualquer partirei
numa caravela branca de velas brancas
fazer o meu destino.

Na estrada verde que irei sulcar
as estrelas mostrar-me-ão o brilho dos teus olhos,
o vento, sussurrando, trar-me-á o ruído do teu riso
e outras caravelas brancas de velas brancas
estarão agora à minha procura.

E, assim, nós iremos
quebrar com as nossas mãos árvores seculares,
abrir com os pés os espinhos do nosso caminho...
E se algum dia eu voltar,
numa caravela branca
sem velas, sem mastros nem equipagem,
quando eu chegar ao pé de ti
cansado pelo fragor da luta,
os pés rasgados pelos espinhos do caminho,
as mãos ensaguentadas,
o rosto convulso,
sejam a carícia das tuas mãos
e o beijo da tua boca
um grito para que eu volte
para junto dos meus irmãos
continuar no fragor da luta
para a conquista do mundo...

Tomaz Martins
publicado por RAA às 14:21 | comentar | favorito
08
Set 10

OS COELHINHOS

Iam dois coelhinhos
andando apressados
para o céu -- com medo
de serem caçados.

E também com medo
de passarem fome.
Pois -- quando não dorme --
o coelhinho come.

E ainda tinha os filhos
que a coelha esperava...
O Céu era longe
e a fome era brava.

Jesus riu, com pena:
fez brotar da Lua
-- para eles -- florestas
de cenoura crua.

Odylo Costa, Filho
publicado por RAA às 10:34 | comentar | favorito