09
Set 10

...

Dormem os cumes das montanhas e as ravinas,
os promontórios e as torrentes,
a floresta e quantos animais cria a terra negra,
as feras das montanhas e a raça das abelhas,
e os monstros nos abismos do purpúreo mar;
dormem também as tribos das aves,
com as suas grandes asas.

Álcman
(Maria Helena da Rocha Pereira)
publicado por RAA às 23:03 | comentar | favorito

SONETO

Nas mornas solidões, lá nas florestas virgens,
Onde sonham ao luar estáticos pauis,
As nuvens sensuais têm súbitas vertigens:
Chuvas torrenciais, relâmpagos azuis!

Langorosas d'amor vêm as noites macias,
Com seu vago torpor de aroma e claridade,
E as estrelas, no céu, mais brilhantes e frias
Ostentam a nudez da sua virgindade!

Assim no coração imenso dos poetas,
Após as vivas dores, as torturas secretas,
Que no silêncio, audaz, criou seu pensamento,

Como que a vida ganha um sentido maior,
A mais longe se espraia a onda do amor,
Mais penetrante e doce é a luz do sentimento!

Coimbra.

Fausto José
publicado por RAA às 19:30 | comentar | favorito

QUANDO AS ANDORINHAS PARTIAM

Boca talhada em milagrosas linhas,
A luz aumenta com o seu falar.

Esta manhã, um bando de andorinhas
Ia-se embora, atravessava o mar.

Chegou-lhes às alturas, pela aragem
Um adeus suave que ela lhes dissera

-- E suspenderam todas a viagem
Julgando que voltara a primavera...

Augusto Gil
publicado por RAA às 17:38 | comentar | favorito

ANTÁSTICO

O dono do pombal fronteiro à minha casa
só recatados gaviões brancos rabo em leque
nunca topou que eu pomba negra arrasto a asa
e lhe fiz da honra das filhas pechisbeque

Um pouco mais de Sol e Mário foras brasa
vá lá fóssil molar em anta cromeleque
é antástico não se ver mesmo na vasa
onde cravou o palafita seu espeque

Porque pateta tanto rima com poeta
como com atleta viva o lugar comum

Tenho há muito o javardo ao alcance da seta
besta lesta na besta e que esta morra pum

Dois colmilhos assim sempre valem algum

José Correia Tavares
publicado por RAA às 16:00 | comentar | favorito

SEM PORQUÊ

A rosa é sem porquê; floresce, porque floresce,
Não cuida de si própria, não pergunta se a vemos.

Angelus Silesius
(José Augusto Mourão)
publicado por RAA às 14:22 | comentar | favorito

A NOITE DESCE

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos castanhos, carinhosos,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Florbela Espanca
publicado por RAA às 12:23 | comentar | favorito
09
Set 10

ARRAIAL

A AQUILINO RIBEIRO.

Noite de S. João. Oiço os descantes
dum baile popular. Ao alto, a lua,
lindo balão, sobe no céu, flutua
sobre a cidade. Enlaçam-se os amantes

na volúpia da noite. Estralejantes,
cada foguete é uma espada nua,
risca no ar gestos de luz. A rua
é um bazar de anseios perturbantes.

Jovem, de branco, um marinheiro leva
pelo seu braço uma gentil pequena,
também de branco. E somem-se na treva...

Há bailes de bebés pelos terraços.
E eu volto a casa só, cheio de pena,
trazendo um sonho morto nos meus braços.

Américo Durão
publicado por RAA às 11:07 | comentar | favorito