17
Set 10

Voz Descontínua

autor: João Candeias (Quelimane, 1949)
título: Voz Descontínua
subtítulo: Antologia Mínima
colecção: «The Impossible Papers»
edição: Black Son Editores
ano: 2002
págs.: 38
dimensões: 17,5x13,5x0,3 cm. (brochado)
impressão: Graficar, Carvalhos
capa: Ana Candeias, sobre ilustração do livro Apocaliypsse, de Enrico Baj
tiragem: 350 exemplares
observações: dedicatória do Autor
publicado por RAA às 23:52 | comentar | favorito

SONETILHO VELHO E ACTUAL

Companheiro, ouves os choupos
gemendo mágoas de agora?
Os ventos sibilam roucos
a hora da nossa hora.

Noite de almas, noite fria...
O luar não traz mensagem...
Cada noite tem um dia.
Noite tirana, que a rasguem.

Sofro, noite... Sofre gente...
Cantam galos para o nascente...
Futuro, como nos pagas?

Pausa mais pausa é demência.
Na noite da consciência
versos só podem ser pragas!

José Fernandes Fafe
publicado por RAA às 22:33 | comentar | favorito

A ÍBIS

A íbis, a ave do Egipto
Pousa sempre sobre um só pé
O que é
Esquisito:
É uma ave sossegada
Porque assim não anda nada.

Fernando Pessoa
publicado por RAA às 17:33 | comentar | favorito

AMOR À VISTA

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...

Fernando Echevarría
publicado por RAA às 16:16 | comentar | favorito

...

Sozinha no bosque
com meus pensamentos,
calei as saudades,
fiz trégua a tormentos.

Olhei para a lua,
que as sombras rasgava,
nas trémulas águas
seus raios soltava.

Naquela torrente
que vai despedida
encontro, assustada,
a imagem da vida.

Do peito, em que as dores
já iam cessar,
revoa a tristeza,
e torno a penar.

Marquesa de Alorna
publicado por RAA às 14:46 | comentar | favorito

ENDECHAS

Feliz de quem tem
Saudades dum bem.

Não as posso ter,
Que a saudade vem
De perder um bem,
Não dum mal perder;
Se tudo é sofrer,
Quem saudades tem
Se não teve um bem?

Tê-las cada dia
Tinha por vontade,
Porque a saudade
Faz-nos companhia:
Mas como a teria,
Se do bem nos vem
E eu não tivesse um bem!

Na vida mortal,
Se é tudo sofrer
Só poderei ter
Saudades do mal:
Ah, triste, afinal
Quem não tem ninguém,
Nem saudades tem!

Júlio Dantas
publicado por RAA às 12:47 | comentar | favorito
17
Set 10

CANTIGA

Coração, já repousavas,
Já não tinhas sujeição,
Já vivias, já folgavas;
Pois por que te sujeitavas
Outra vez, meu coração?

Sofre, pois te não sofreste
Na vida que já vivias;
Sofre, pois te tu perdeste,
Sofre, pois não conheceste
Como te outra vez perdias;

Sofre, pois já livre estavas
E quiseste sujeição;
Sofre, pois te não lembravas
Das dores de que escapavas:
Sofre, sofre, coração!

Jorge de Aguiar
publicado por RAA às 10:54 | comentar | favorito