20
Set 10

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Aproxima-te. É assim que consegues encontrar
algumas palavras. Estão juntas. Têm um sentido
capaz de vir a acompanhar-te como se pelos dedos
escorresse um pouco de água, a sua transparência
súbita. Recebe o que elas te podem dar agora,
a respiração que fica tranquila e o mesmo aceno
só para que depois consigas compreender
como é fácil que tudo se perca nos teus olhos.

Fernando Guimarães
publicado por RAA às 23:30 | comentar | favorito

OS ÚLTIMOS FRUTOS

Que os últimos frutos sequem, nem por isso deixam de ser os mais apetecidos.
As próprias estações confundem-se num frasco de compota
de cujo fundo inúmeras gerações parecem ter saído.
Leva-se a mão ao fruto e um ardor consome-se na boca --
álcool de que o sentimento impróprio decai: enxuto, ressequido.
Ah, deixa-me beijar a tua boca -- até que do fundo
de um sabor a mosto eu me sinta recluso e excluído.
Liofilizados, antes da estação, agora caem os frutos.
Uns dão a luz ao dia, outros, à morte, um sentido inapetecido.

Fernando Guerreiro
publicado por RAA às 18:41 | comentar | favorito

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Não se vence uma mulher sem a sua cumplicidade. São tantas as batalhas ganhas quantas as que foram perdidas.
Casimiro de Brito
publicado por RAA às 16:27 | comentar | favorito

POEMA

Para quê chorar
Se as suas mãos são limpas
A sua culpa inocente
E a mudez das suas vozes
Bandeiras desfraldadas?

Chorar só porque levam
A esperança amachucada
Na sua mala de contratados;
Chorar só porque sangram os seus pés
Na lonjura dos caminhos;
Chorar só porque eles choram
Como choram os meninos sem pão
-- Não, não vale a pena chorar!

Para quê chorar
Se na sua mala de contratados
Levam também os farrapos das suas afrontas?

Onésimo Silveira
publicado por RAA às 14:27 | comentar | favorito

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entre 1934 e 50, na rua 52, em Manhattan, porta sim porta sim,
um bar com jazz
anos depois um turista português passa 5 dólares a Don Byas (saxista de profissão jazz) para ele ir a casa buscar seu sax e tocar
aproxima-se Roy Eldridge (trompetista de profissão jazz) que comunica: 'ele não vai voltar, vai comprar bourbon...'
já havia pouco jazz na 52.ª -- este bar 'Jimmy Ryan's' era quase todos
antes já o álcool e a droga
eternos companheiros do jazz
faziam felizes público e seus génios

José Duarte
publicado por RAA às 13:02 | comentar | ver comentários (2) | favorito
20
Set 10

DO LAVRADOR

de tudo plantou na vida
no exato tempo e na hora.

pegando firme na enxada
cavou fundo na memória.

primeiro quando de colo
plantara leite materno,

logo à frente plantaria
brinquedos, livro, caderno.

semeou depois nos brejos
grão de arroz e sua sala:

não tardou que a casa toda
fosse espalhada na vala.

mais tarde deitou seu sono
dentro de cascas de ervilha

cultivou tomate e soja
sem salitre e fantasia.

quarta-feira plantou fava
muitas quintas plantou milho,

pôs de adubo nas raízes
esterco e leite do filho.

curvado sobre si mesmo
plantou de tudo na vida:

mudas tenras e sementes
do que não teve e não tinha.

plantou coisas que o terreno
reduz a brisas, quimera,

quando o outono desce lento
quando explode a primavera.

Mário de Oliveira
publicado por RAA às 11:40 | comentar | favorito