29
Set 10

VARIAÇÃO SOBRE ROSAS

Como as rosas selvagens, que nascem
em qualquer canto, o amor também pode nascer
de onde menos esperamos. O seu campo
é infinito: alma e corpo. E, para além deles,
o mundo das sensações, onde se entra sem
bater à porta, como se esta porta estivesse sempre
aberta para quem quiser entrar.

Tu, que me ensinas o que é o
amor, colheste essas rosas selvagens: a sua
púrpura brilha no teu rosto. O seu perfume
corre-te pelo peito, derrama-se no estuário
do ventre, sobe até aos cabelos que se soltam
por entre a brisa dos murmúrios. Roubo aos teus
lábios as suas pétalas.

E se essas rosas não murcham, com
o tempo, é porque o amor as alimenta.

Nuno Júdice
publicado por RAA às 23:03 | comentar | favorito

...

quando chegou ao Inferno foi enviado de imediato para a sala Jazz
outro tenor jazz-saxofonista
o som que vinha da Sala era o melhor
uma big band
entrou e sentou-se entre Hawkins e Coltrane
maestro arranjador Gil Evans
só extra ordinários
Eldridge, Dizzy, Armstrong, Bowie, Miley, Baker, às trompetes,
trombones com trombonistas, também eles, de excepção,
uma secção rítmica do outro mundo,
mundo onde estavam,
Art Blakey, Paul Chambers, Bill Evans,
tocaram o resto da tarde sem parar,
a noite toda,
ao fim da manhã seguinte
segredou ele para Trane
'quando é o intervalo? para descansarmos...'
Trane contente: 'Nunca!'

José Duarte
publicado por RAA às 19:06 | comentar | favorito

NÃO OLHE PARA TRÁS

Caiu no buraco
saiu de quatro
se arrastou um pouco
levantou dum pulo
disparou dez passos
riu para a galeria
caiu de quatro, como
um cavalo machucado
como um filho da puta
como água usada.

Roberto Schwarz
publicado por RAA às 17:40 | comentar | favorito

INSTANTE

A cena é muda e breve:
Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve.

Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer
E a vida
Pára também, a ver.

Miguel Torga
publicado por RAA às 15:44 | comentar | favorito

...

Eu poderia dar o passo
que o súbito ar
separa

e arder
no círculo imenso da água.

Eu poderia
dar à voz
o uso próprio de um verso,

partilhar o que me falta
no país difícil
de um adeus.

Fernando Jorge Fabião
publicado por RAA às 14:20 | comentar | favorito
29
Set 10

...

um relâmpago assombra
esta nudez

entra pelo sexo

calcina
as espirais da melancolia

e eu ardo (ardo!)
em lavaredas altas

resina indefesa

Fernando Assis Pacheco
publicado por RAA às 11:59 | comentar | favorito