05
Out 10

CARTA DE ACHAMENTO

a oriente o coração estremece

a ave voou longe

não chega o horizonte

a mágoa é um canto vagaroso
a mágoa é uma reza infinita

Alah Akbar...
Alah Akbar...

a lua assim rogada cresce
e no interminável arrastar do seu pálido sari
lento o sol no mar
uma sereia em prece

encantamento...
súplica...

amanhece

Ana Mafalda Leite
publicado por RAA às 23:09 | comentar | favorito

O PRINCÍPIO DO AMOR

As pessoas ordenavam-se mal.
Ordenavam mal
o princípio do amor, da cidade.
Faziam filas (e filhos) à porta.

Ordenavam-se talvez
como quem conhece o trajecto
para casa.
Sonâmbulas, repetidas:
ordenavam, ordenavam.

Algumas enlouqueciam
pacientemente à porta,
antes de entrar.

Entende: ordenavam-se
tão sem desordem
nessa espera
que algumas morriam
imediatamente à porta
logo que entravam.

Filipa Leal
publicado por RAA às 20:19 | comentar | favorito

LUGAR

Na curva da memória
Por dentro dos olhos do tigre
Adentro da respiração da ária
Além da boca aberta sobre a boca
Através da palavra ausente do pai
Sob a bênção da violenta maternidade
Uns metros antes da curva para
A estrada desenhada pelo esquecimento
No lugar e na geometria
Do teu sangue pressentido
Penso na minha morte.

Caminham num filme com planícies
Na arquitectura invisível dos antepassados.

Uma ursa grávida de luz e quartzo
Com nuvens escritas na palma da mão
Um sexo com lábios que
Quando falam nos recantos
Aquieta a cor vermelha desta língua.

Desenhos de galáxias e estrelas
Rasgam o pensamento a
Pensar na tua morte
Num ecrã de cavalos adormecidos.

11 de Setembro de 2001


João Lopes
publicado por RAA às 16:02 | comentar | favorito

A CRIAÇÃO DO MUNDO

O ponto não tem dimensões, disse-o o grego,
assim descobrindo a geometria que havia
antes que houvesse criação: por isso, cego,
mas rigoroso, já tudo se construía.

Eugénio Lisboa
publicado por RAA às 14:10 | comentar | favorito
05
Out 10

RISADAS

Soneto dum clown

Talvez cansado já dos teus abraços,
Eu morto busque um dia o céu sem metas,
E ainda vá morar nos planetas,
Eu que tenho vivido entre palhaços.

E que ali deslocando os membros lassos,
Faça com saltos e evoluções secretas,
Que Deus caia, de riso, dos espaços,
Com fortes gargalhadas dos ascetas.

Os Santos olvidando então o rito,
Darão saltos mortais no Infinito,
E eu uma claque arranjarei no Inferno.

Construirei um circo ali no Céu,
E tu virás então morar mais eu
Na água furtada azul do padre Eterno.

Gomes Leal
publicado por RAA às 02:52 | comentar | favorito