07
Out 10

...

Há certas coisas que, sendo medíocres, se tornam insuportáveis: a poesia, a música, a pintura e os discursos públicos.

La Bruyère

(João de Barros)
publicado por RAA às 23:15 | comentar | favorito

AS MÃOS

Tenho para te dar as mãos vazias
e pouco mais, mas olha como são
as minhas mãos, que outrora foram frias
e hoje ardem ao calor da emoção
de sentir como espantam as sombrias
noites em que o negrume e a solidão
eram a manta com que te cobrias.

Torquato da Luz
publicado por RAA às 19:12 | comentar | favorito

...

Donde vem o luar?!
Do sol
que tomba?

Da luz sombria do meu olhar!

A luz foi sempre um girassol
de sombra.

António de Navarro
publicado por RAA às 17:03 | comentar | favorito

CÂNTICO

Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.

Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.

Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.

Carlos Nejar
publicado por RAA às 15:13 | comentar | favorito

HORA CREPUSCULAR

Só, na noite. O vazio do intrincado espaço
da memória, teia quase perfeita de finos
nervos. Como num bastidor, quebrou-se agulha,
rompeu-se o fio de seda, ou lã macia.
Ou foi só o crepúsculo que, dissonante, entrou?

Só, na noite, no vazio intrincado do pensar.
Mas, se brilho na teia? Se segundo qualquer crepuscular
à cabeceira, onde medicamentos
e pequenas flores? Que olhar nos é negado?
Alguém em limiar ou tempo ausente?

De encontro aos cobertores, que frio maior?
O frio nos fios da teia em desconserto. E rotos.
Mas, se alguma candeia de século passado,
o azeite a manchar o bastidor? Só, na noite.
Sem deuses, nem demónios. A teia a oscilar,

sem som.

Ana Luísa Amaral
publicado por RAA às 14:26 | comentar | favorito

MELODIA DA NEVE

                                                                                                                                                                                                                         ao Nuno Verdial

Chuva de rosas brancas desfolhadas.
Quem desfolhou os roseirais do céu
E vem lançar braçadas e braçadas
De pétalas alvíssimas?... Quem deu

À paisagem as túnicas prateadas,
Em que seu corpo lívido escondeu?...
-- Véus, em farrapos, que teceram fadas
E uma princesa nórdica perdeu.

Árvor's que os ventos outonais despiram,
Parece, por encanto, que floriram
Nos esponsais de Abril ressuscitado...

Vestem da morte o gélido lençol?
...Ou são noivas ansiosas porque o sol
Lhes rasgue os seus vestidos de noivado?

Afonso de Castro
publicado por RAA às 12:42 | comentar | favorito
07
Out 10

EPIGRAMA

Levando um velho avarento
Uma pedrada num olho,
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

Certo doutor, não das dúzias
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

«Dez moedas! (diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.»

Bocage
publicado por RAA às 11:16 | comentar | favorito