18
Out 10

O reino da estupidez -- Ciência Administrativa e Policial

aquele que critica
deve ser chamado à razão
questão de método ou bem talvez de hermenêutica
cite a melhor bibliografia autorizada
pp. 652-679 e passim
sorria muito use gestos largos dicção irrepreensível.
aquele que duvida
pode ser esclarecido
com um mínimo dispêndio de chá e dan cake
ou com um bom pontapé nos tomates
ingratus unus omnibus nocet.
mas aquele lá que interroga com
o olhar fixo
e um desenho equívoco nos lábios
sem mercê sem quartel --
esse deve perecer.

João Paulo Monteiro (Ângelo Novo)
publicado por RAA às 22:34 | comentar | favorito

CAMPANHA ELEITORAL

O candidato funga:
flácida e fofa
figura inflada
se inflama -- fala:

feixe de frases
feitas: fraseado
falaz se forma
na furna da voz;

na boca da urna,
língua de trapo
tropeça na areia
da arenga: arena.

Ensebado embusteiro
balança o bestunto
besuntado -- bestia
lógico lesa o povo:

no rádio o rugido
no cinema o aceno
no jornal o jargão
no comício o vício

no vídeo o vírus
da fraude invade
o veludo da voz
e envolve a fala;

ramerrão reumático
ruminante -- retrato
três por quatro na
televisão: de-pu-ta-do.

Armando Freitas Filho
publicado por RAA às 18:24 | comentar | favorito

SANTOS

Nasci junto do porto, ouvindo o barulho dos embarques.
Os pesados carretões de café
Sacudiam as ruas, faziam trepidar o meu berço.

Cresci junto do porto, vendo a azáfama dos embarques.
O apito triste dos cargueiros que partiam
Deixava longas ressonâncias na minha rua.

Brinquei de pegador entre os vagões das docas.
Os grãos de café, perdidos no lajedo,
Eram pedrinhas que eu atirava noutros meninos.

As grades de ferro dos armazéns, fechados à noite,
Faziam sonhar (tantas mercadorias!)
E me ensinavam a poesia do comércio.

Sou bem teu filho, ó cidade marítima,
Tenho no sangue o instinto da partida,
O amor dos estrangeiros e das nações.

Ah, não me esqueças nunca, ó cidade marítima,
Que eu te trago comigo, por todos os climas
E o cheiro do café me dá tua presença.

Ribeiro Couto
publicado por RAA às 17:08 | comentar | favorito

ERÓTICA

A noite descia,
Como um cortinado,
Sobre a erva fria
Do campo orvalhado.

E eu, (fauno em vertigem
A rondar em torno
Do teu corpo virgem,
Sonolento e morno),

Pensava no lasso
Tombar do desejo;
Em breve, o cansaço
Do último beijo...

E no modo como
Sentir menos fácil
O maduro pomo
Do teu corpo grácil.

Ou sem lhe tocar
-- De tanto o querer! --
Ficar a olhar,
Até o esquecer,

Ou como, por entre
Reflexos de lago,
Roçar-lhe no ventre
Luarento afago;

Perpassando os meus
No teus lábios húmidos,
Meu peito nos teus
Brancos
               seios
                         túmidos...

Carlos Queirós
publicado por RAA às 15:40 | comentar | favorito

...

O voss' amig', amiga, vi andar
tan coitado que nunca lhi vi par,
que adur mi podia já falar;
pero, quando me viu, disse-mi assi:
         «Ai, senhor, id' a mha senhor rogar,
         por Deus, que haja mercee de mi.»

El andava trist' e mui sen sabor,
come quen é tan coitado d'amor,
e perdud' á o sen e a color;
pero, quando me viu, disse-mi assi:
         «Ai, senhor, ide rogar mha senhor,
          por Deus, que aja mercee de mi.»

El, amiga, achei eu andar tal
come morto, ca é descomunal
o mal que sofr' e a coita mortal;
pero, quando me viu, disse-mi assi:
         «Senhor, rogad' a senhor do meu mal,
          por Deus, que aja mercee de mi.»

D. Dinis
publicado por RAA às 14:22 | comentar | favorito
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NOITE

Pergunto à noite
sombria
o que é que sobra
do dia?

Claramente de dia
a sombra
é mais negra
que a noite.

Armando Taborda
publicado por RAA às 12:47 | comentar | favorito
18
Out 10

...

Árvores de outono
fechadas sobre mim
folhas de outono
enterradas nos meus olhos
terra de outono
donde tu surgirás
como um jovem pássaro
livremente

Isabel Meyrelles
publicado por RAA às 11:46 | comentar | favorito