23
Out 10

LUNALVA

Se quiserem saber quem sou
-- Não sei quem sou
Só sei que em mim
A sombra e a luz
São vultos
Que se buscam e amam
Loucamente

Se quiserem saber do meu destino
-- Não sei do meu destino
-- Não sei do meu nome
Só sei daquela sede
Imensa sede
Que ainda não foi saciada

Se quiserem saber donde venho
-- Não sei donde venho.
Talvez venha do vento
Do deserto
Do mar
Ou do fundo das madrugadas

Não
Não me amem tão depressa
Não me compreendam tão depressa
Não me julguem tão fácil
Por favor
Não me julguem tão mesquinho
Tão quotidiano

O pão que trago comigo
-- Não é pão
É fogo
O vinho que trago comigo
-- Não é vinho
É sangue

E eu vos afirmo
-- Todos hão-de beber
Do Fogo e do Sangue

Carlos Nejar
publicado por RAA às 23:47 | comentar | favorito

VERDE

O verde tenro e vivo de folhagem,
presépio dos meus sonhos em menino,
pôs-se de luto a par com o meu destino,
cego-me a vê-lo imagem de miragem...

Quando iludido o busco na ramagem,
já com seus tons mais brandos não atino,
e nesta escuridão só me ilumino
vendo-o compor-me interior paisagem:

-- Paisagem doutro verde que de mim
sai alongada em foco para a terra
a procurar vencer-lhe a cerração,

E aonde num crepúsculo sem fim,
tonta, a Esperança esvoaçando, erra
sobre torres de encanto e de traição!

Edmundo de Bettencourt
publicado por RAA às 19:51 | comentar | favorito
23
Out 10

UM EPITÁFIO

Que tu morreste, Heráclito, me dizem.
Amargas novas de que choro amargo.
Chorava, e relembrava quantas vezes,
falando nós, o Sol se pôs exausto.

E agora que tu és, meu velho amigo,
de cinzas um punhado há muito frias,
ainda a tua voz, o rouxinol, não dorme:
omnipotente a Morte, contra a voz não pode.

Calímaco

(Jorge de Sena)
publicado por RAA às 15:50 | comentar | favorito