28
Out 10

SONETO

Dizem mil sabichões que, nesta vida,
Só pode quem tem ouro ser ditoso;
Que é pretender, sem ele, achar o gozo,
Ambição a que o senso não convida!

Assim julga quem vê na humana lida,
Cercado de galões, em trem custoso,
Qualquer nobre lapuz, louco vaidoso,
Que entre gente de bem não tem guarida:

Que esses fazem figura, eu não desminto:
A toda a parte vão, com seu cortejo,
Porque o mundo lhes dá lugar distinto:

Outras glórias têm mais, que eu não invejo;
Mas nunca sentirão prazer que eu sinto
Na risada que dou, se um deles vejo!

Faustino Xavier de Novais
publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito

A ESCADA DA VIDA

Encontrou-se a Caridade
Com o Orgulho, certo dia:
Subia o orgulho uma escada,
E a Caridade descia.

Ela humilde, ele arrogante,
No patamar dessa escada
Os dois, cruzando-se, viram
Uma rosinha pisada.

Emproado, o Orgulho, vendo-a,
Deu-lhe nova pisadela;
De joelhos, a Caridade
Deitou-se aos beijos a ela.

Mas nobres passos se ouviram
De som divino e tremendo:
O Orgulho seguiu subindo,
E a Caridade descendo...

E a voz de Deus, entretanto,
Disse, bramindo e sorrindo,
-- «Tu, que sobes, vais descendo!»
-- «Tu, que desces, vais subindo!»

Eugénio de Castro
publicado por RAA às 17:02 | comentar | favorito

A RECUSA DAS IMAGENS EVIDENTES

IV

Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
O astros que se olham de perfil.

Natália Correia
publicado por RAA às 14:30 | comentar | favorito

...

Monk compositor
não só para o jazz
de todas as Músicas
Monk na História da Música
em que páginas?

José Duarte
publicado por RAA às 12:01 | comentar | favorito
28
Out 10

PERDIÇÃO

                                                                                                                                                                                                        A MANUELA PORTO

Prazer de caminhar assim anónimo, sem rumo,
Sob a chuva miúda que põe reflexos na calçada,
Sentindo cair a noite outonal sobre a cidade...

As luzes dos carros que passam velozes,
As luzes das montras por que passam os vultos,
Fazem sombras secretas em quem vai e em quem vem...
É-se apenas um vulto que passa na noite que desce...
A nossa vida esquece e vai
Como uma folha dessas que o vento leva... -- para onde?...

Alberto de Serpa
publicado por RAA às 11:06 | comentar | favorito