03
Nov 10

PROPOSIÇÃO

Para fazer pairar
de longe e ao alto
um tremular de mastros
na solidão do olhar

e para rasgar no corpo
a seara antiga
onde o tempo amou
e me deitarás contigo

é que escutei na sombra
a vibração sem voz
da tua voz nas ondas
onde ecoa a morte

Miguel Serras Pereira
publicado por RAA às 23:03 | comentar | favorito

O ÚLTIMO ADEUS DUM COMBATENTE

Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só o teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade
Sim! foi por isso que parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!

Vasco Cabral
publicado por RAA às 15:55 | comentar | favorito

...

Mha senhor fremosa, direi-vos ua rem:
vós sodes mha sorte e meu mal e meu bem!
     E mais... porque vo-lo-ei eu já mais a dizer?...
     Mha sorte sodes, que me fazedes morrer!

Vós sodes mha mort' e eu mal, mha senhor,
e quant' eu no mund' ei de ben e de sabor!
     E mais... porque vo-lo-ei eu já mais a dizer?...
     Mha sorte sodes, que me fazedes morrer!

Mha mort' e mha coita sodes, non á i al,
e os vossos olhos mi fazen ben e mal!
     E mais... porque vo-lo-ei eu já mais a dizer?...
     Mha sorte sodes, que me fazedes morrer!

Senhor, ben me fazen soo de me catar,
pero ven-m 'en coita grand'; e vos direi ar:
     E mais... porque vo-lo-ei eu já mais a dizer?...
     Mha sorte sodes, que me fazedes morrer!

Nuno Eanes Cerzeo
publicado por RAA às 14:27 | comentar | favorito

HOMEM AO MAR

No vale onde me encontro
ouço os sinos das igrejas
às horas certas.

O vento é o meu nevoeiro,
o badalar é o mugir do meu farol.

Homem das cidades marítimas,
sinto o cerco dos montes, dos penedos, da floresta.
Sei que há lobos,
javalis escondidos,
cavalos selvagens pastando solitários.

O pio nocturno da coruja
não me deixa esquecer onde estou.

Vilar, Gerês, Agosto de 2000
publicado por RAA às 12:22 | comentar | favorito
03
Nov 10

A RESPOSTA DA NOITE

                                                                                                                                                                                            Ao Gentil Guedes Gomes

A lua é um formidável diamante
No seio duma negra, a fulgurar.
Dessa rainha de Sabá, distante,
Que nos vem, ao sol-posto, visitar.

Quem foi o milionário perdulário
Que deu à noite a jóia excepcional?...
Ah! foi delírio de juízo vário,
Ou capricho de rei oriental...

Fui perguntar-lhe, indiscretamente,
E, em confidência, a noite respondeu:
«É uma recordação, foi um presente
Que o sol, há milhões de anos, me ofer'ceu.[»]

Afonso de Castro
publicado por RAA às 10:53 | comentar | favorito