02
Dez 10

MORTE: SUAS CONTAS DE DIVIDIR

O horizonte divide-nos nas suas mentiras:
ou é uma árvore ou um rio e todos os anzóis que engoliu
ou uma mandíbula de peixe ou o sol: o velho incendiário ambulante.
A morte essa é um maravilhoso número indivisível.

Alexandre Pinheiro Torres
publicado por RAA às 23:55 | comentar | favorito

A NOSSA SENHORA

Se a febre atraiçoada enfim declina,
E se se esconde a aberta sepultura,
Ao vosso rogo o devo, ó Virgem pura,
Por quem me quis livrar a Mão Divina:

Sem Vós debalde a experta medicina
Traça e aparelha a desejada cura;
Sem Vós o índio adusto em vão procura
A amarga casca da saudável quina.

Quando em luta co'a morte me contemplo,
Sem haver já no mundo quem me valha,
Do vosso grão poder, (que grande exemplo!)

Vencestes; e, em memória da batalha,
Penduro nas paredes deste templo,
Rasgando, um novo Lázaro, a mortalha.

Nicolau Tolentino
publicado por RAA às 18:59 | comentar | favorito

BUCÓLICA

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga
publicado por RAA às 14:25 | comentar | favorito

OCORRÊNCIA

decidiu interromper sua ideia de ser o Duque de Wellington,
flutuando no ar. a perícia descobriu que em seus bolsos
somente havia cartas de amor, apesar das várias cicatrizes no
abdome e algumas manchas no corpo,
lembrando ligeiramente o mapa da Índia.

Adão Ventura
publicado por RAA às 12:41 | comentar | favorito
02
Dez 10

CANTO DE MAIO

Já vem Maio florir sobre as campinas!...
Cantam, de amor, mil vozes cristalinas...
      Por que hei-de sofrer de amor?

O mundo reverdece de alegria;
O sangue, em nós, é sonho e melodia...
      Por que hei-de sofrer de amor?

Sob este céu, em que a alegria exulta,
Por que há, em mim, uma ansiedade oculta?
      Por que hei-de sofrer de amor?

O mundo é seiva ardente e fervorosa...
Por que persiste, em mim, a força ansiosa?
      Por que hei-de sofrer de amor?

É passageira a luz da primavera...
E o sonho da minha alma, esta quimera,
      Por que hei-de sofrer de amor

É ter no mundo o amor que nunca passa.
É para dar aos céus a humana graça,
      Que eu hei-de sofrer de amor.

João de Castro Osório
publicado por RAA às 11:02 | comentar | favorito