07
Dez 10

NOITES GÉLIDAS

MERINA

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de Inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noites de balada;
Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas lãs forrada,
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingénua e delicada.

Cesário Verde
publicado por RAA às 23:50 | comentar | favorito

VINDE, Ó POBRES

Vinde os possuidores da pobreza
Os que não têm nome no século.
Vinde os homens da contemplação.
Vinde os que têm a língua mudada.
Vinde os forasteiros e vagabundos.
Vinde os homens descalços e os que têm
Os olhos cheios de espantos.
Jesus Cristo -- Rei dos Reis
Os vossos pés quer lavar,
O filho do marceneiro
Não vos pode abandonar.

Jorge de Lima
publicado por RAA às 18:29 | comentar | ver comentários (2) | favorito

BARCA BELA

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
       Que é tão bela,
       Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
       Colhe a vela,
       Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
       Mas cautela,
       Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
       Só de vê-la,
       Oh pescador!

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
       Foge dela
       Oh pescador!

Almeida Garrett
publicado por RAA às 16:58 | comentar | favorito

O POEMA

Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.

Mário Quintana
publicado por RAA às 15:47 | comentar | favorito

AUTO-CRÍTICA

Senhor! nunca me vi nem conheci
Dentro do negro abismo onde se esconde
O meu segredo humano, nem sei onde
Começa e acaba o que provém de ti!

Sei que errei o caminho e me perdi!
Agora, embora chame e grite e sonde,
No meu longo deserto, só responde
Ao longe, a voz do mar que nunca vi.

Em vão chamo por mim, em vão procuro
A luz que me pertence e que cintila
No fundo inquieto deste abismo escuro;

-- Fio de água sumido nas areias, --
Vejo estátuas dramáticas de argila
Com dedadas fatais de mão alheias!

Campos de Figueiredo
publicado por RAA às 14:25 | comentar | favorito
07
Dez 10

PORTO

A cidade equestre
No rio mergulha
Seus cascos de granito
E sobe
A galope
Encosta arriba

Num salto a prumo
(Lá onde o casario morre)
Upa!
É uma torre

Torre de pedras e nuvem
De pássaros de fogo
De corpo de mulher
Torre de tudo e de quanto
O sonho a palavra o canto
Pode e quer.

Luís Veiga Leitão
publicado por RAA às 11:32 | comentar | favorito