09
Dez 10

...

O casamento de almas de eleição,
nada o embarga. Nunca foi amor
o que vacila posto em provação,
ou se bandeia ao próprio destrutor.

Ah, não! O amor é um sinal constante,
encara as tempestades sem tremer:
a Tramontana desta nau errante,
cuja «altura» nos salva -- ou faz perder.

Não teme, ó Tempo, a tua foice adunca:
róseas faces e lábios, esses sim;
não muda em horas, dias, meses, -- nunca! --
teima e perdura até ao fim do fim...

E se por falso rumo agora vou,
-- jamais poetei! jamais alguém amou!

Shakespeare

(Luís Cardim)
publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito

ASAS

Eu tenho asas!
Piso o chão como pisa toda a gente
mas tenho asas
de impalpável tecido transparente,
feitas de pó de estrelas e de flores.
Asas que ninguém vê, que ninguém sente,
asas de todas as cores.
Pequenas asas brancas que me afastam
das coisas triviais
e as tornam leves, fluidas, irreais
-- pólen, nuvem, luar, constelações,
irisados cristais.
Asa branca minha alma a palpitar,
bater de asas o doce ciciar
de pálpebras e cílios.
Ó minhas asas brancas de cetim!
Revoadas de pássaros meus sonhos,
Meus desejos sem fim!

Fernanda de Castro
publicado por RAA às 17:35 | comentar | favorito

MANÉ FÚ

Mané Fú

Louco que povoou a minha infância
Que contava histórias maravilhosas
Histórias de Branca Flor
De bruxas e de princesas

Mané Fú     Mané de Deus
Que tinha o corpo todo preto
Mas as palmas das mãos brancas
Porque às sextas-feiras subia aos céus
E ia banhar os anjos

Mané Fú      Mané de Deus
Outras histórias me empolgam hoje
Histórias de crianças famintas
(Lembro-me do filho da Violante
Que comia a cal das paredes)
Histórias de velhos abandonados
(Como aquele que morreu a chorar
No Pavilhão de Alienados
E não era doido)
Histórias de prostitutas
(Ah! humilhadas amigas)
Histórias tristes      nunca divulgadas

Virgílio Pires
publicado por RAA às 16:05 | comentar | favorito

...

jazz a única Música do século XX
original
as outras a ele foram beber, sorver,
umas para vender
outras à socapa
fusões ingratas
publicado por RAA às 14:20 | comentar | ver comentários (2) | favorito
09
Dez 10

PENA DE MORTE

Eram bastante bons
aqueles tempos de ódio,
em que planejávamos nossos assassinatos,
pelo simples prazer de nos vingarmos:
eu te via com os dedos na tomada,
tu me vias sufocada pelo gás.
Tempos em que sorrias ao atravessar a rua,
e eu achava graça em ser atropelada;
tempos em que queríamos fazer um filho
para espancarmos juntos,
nos dias de ócio;
em que eu te servia de escarradeira,
em vez de cozinheira e passadeira.
Depois veio o amor,
que é como um lenço em que se assoa,
ou mãe que chicoteia e nos perdoa.
Hoje afago-te as corcovas
e lustro-te as botas novas.

Leila Miccolis
publicado por RAA às 12:09 | comentar | ver comentários (2) | favorito