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Dez 10

Aproximações a Eugénio de Andrade

título: Aproximações a Eugénio de Andrade
antologiador: José da Cruz Santos (1936)
autores: Eugénio de Andrade, A. M. Pires Cabral, Alberto Pimenta, Ángel Crespo, António Lobo Antunes, António Osório, António Ramos Rosa, António Salvado, Armando Silva Carvalho, Bruno Tolentino, Carlo Vittorio Cattaneo, Egito Gonçalves, Fernando Pinto do Amaral, Fiama Hasse Pais Brandão, Gastão Cruz, Inês Lourenço, João Miguel Fernandes Jorge, Joaquim Manuel Magalhães, Jorge de Sena, Jorge Sousa Braga, José Bento, José Fernandes Fafe, José Tolentino Mendonça, Luís Filipe Castro Mendes, Manuel Alegre, Manuel António Pina, Mário Cláudio, Nuno Júdice, Pedro Homem de Melo, Rosa Alice Branco, Ruy Cinatti, Teresa Balté, Vasco Graça Moura, Vergílio Alberto Vieira, Wolfgang Bächler.
edição: 2.ª
colecção: «Pequeno Formato» #7
editora: Edições Asa
local: Porto
ano: 2001
págs.: 54
dimensões: 23x13,3x0,7 cm. (brochado)
direcção gráfica: Armando Alves
extratexto: retrato de Eugénio de Andrade por Jorge Pinheiro
publicado por RAA às 23:54 | comentar | favorito

COSMORAMA

Reina a lua nos pauis
onde o céu se vem mirar...
E eu tenho os olhos azuis
de sonhar a olhar o mar!...

Vai um navio a subir
entre as ondas... Ao chegar
lá ao céu, hei-de sorrir
alegrias de emigrar!...

Navios do fumo alvo
que faz as nuvens do céu,
dos vossos naufrágios salvo
sempre alguém que lá morreu!

Mas no céu, subitamente
naufragais, ides viajar
quantos mares fiquem na frente:
-- caminho de regressar...

Branquinho da Fonseca
publicado por RAA às 22:02 | comentar | favorito

...

Eis-nos aqui no caminho
traçado por nossa mão.
Cada braço traz um punho
e cada punho um punhal.

Bandoleiros na vida,
vida errante era o destino!
Nas costas nasceram traços
da vida dura, sem pão.

Rugas dos covais da vida
cemitérios de ilusão!...
Mortos, mortos mas com vida
quase à beira do chão.

Quase à beira do chão
rastejantes, vermes, podres!...
Pobre miséria do mundo
só o dinheiro é patrão.

Só o dinheiro é senhor
dos vermes sujos do chão

Cada verme traz um punho
Com uma faca na mão.

Alexandre Dáskalos
publicado por RAA às 17:04 | comentar | favorito

LEITURA

Havia luz em uns instantes surgidos
Na minha vida,
Que a mesma vida apagava;
E a pobre realidade era uma cinza...
...Já nada me recordava
Se, de entre ela uma faulha
Não me queimasse os sentidos.

O fogo das queimaduras
É dor que nunca me passa!
E é esta que me ressurge
Um pouco dessa luz-alma
De tantos momentos idos...

A inquieta luz sempre de agora
Que ao mundo nada desvenda,
A mim diz certa verdade,
A chã naturalidade
Nas coisas vãs da legenda.

Talvez ninguém me acredite,
E se ria,
Quando grave eu me recite;
Mas recitar-me, cantar,
Mesmo cansada a memória,
Teria de acontecer:
É comigo,
Bem viva enquanto eu viver
A minha inútil história...

Edmundo de Bettencourt
publicado por RAA às 16:40 | comentar | favorito

...

o ministério lírico, o mais grave e equívoco, o dom, não o tenho,
espreito-o, leitor,
por cima do ombro de outros,
rítmico, manuscrito,
porque sofro do êrro,
porque me não equilibro nas linhas,
palavras sim insubstituíveis mas
tão pouco sustentáveis,
sei contudo de alguns dançando à beira do abismo,
que tusa surreal!
ou fodem murcho?
a mim, que não creio em Deus, pátria ou família,
em teorias gerais da linguagem,
na vida eterna,
na gramática,
na foda estrita,
em prática técnica nenhuma,
na glória da língua,
não há apoio de inserção que me valha,
e os poemas talvez não passem porque há muitos cães que ladram,
morro faz já bastante tempo,
ou não ganhei a mão esquerda certa,
ou não perdi a razão suficiente,
Bernardim, Gomes Leal, Ângelo de Lima, os loucos,
para-me de repente o pensamento,
luzia a lusa língua,
se era o mesmo o ministério voltava sempre ao comêço,
exasperado, lúcido,
o mais música de câmara possível,
o recôndito,
o côrrego,
tão virgem nele se bebia a água,
e lisa, límpida, ligada,
e fria se revolvia nas chagas cruas da boca,
o ministério lírico era o de ferir palavras ou de ferir-se com elas,
oh terror e deslumbre,
acqua alta!

Herberto Helder
publicado por RAA às 15:12 | comentar | favorito
10
Dez 10

SANGUE

Versos
Escrevem-se
Depois de ter sofrido.
O coração
Dita-os apressadamente.
E a mão tremente
Quer fixar no papel os sons dispersos...

É só com sangue que se escrevem versos.

Saul Dias
publicado por RAA às 10:51 | comentar | favorito