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Dez 10

CASIDA DO FALCÃO E DA LUA (fragmento)

Noite na cúpula do céu.
Um falcão voando sob a lua
traça o veleiro de sombra nas areias.
A alcova diz ao alaúde das seis cordas
que vença a mágoa do vento apaziguado.
Morre a volúpia das rugas?
Tâmaras e sândalo, evanescentes dédalos.
Almíscar e carícias, venenos de um arfar.

E o falcão busca ainda voando sob a lua
a miragem de um guante para poder pousar.

Adalberto Alves
publicado por RAA às 23:00 | comentar | favorito

...DE PASSAREM AVES

Das aves passam as sombras,
um momento, no chão, perto de mim.
No tardo Verão que as trouxe e as demora,
por que beirais não sei
onde se abrigam piando
como ao passar chilreiam.

Um momento só. Rápidas voam!
E a vida em que regressam de outras terras
não é tão rápida: fiquei olhando,
as sombras não, mas a memória delas,
das sombras não, mas de passarem aves.

Jorge de Sena
publicado por RAA às 16:59 | comentar | favorito

LIVROS DE CONTOS

Alma emputecida
Sombra esquisita
Se esquiva
Entre
Laços de Família

Waly Sailormoon
publicado por RAA às 15:33 | comentar | favorito

JORGE

Constantemente vejo o filho amado
Na minha escuridão, onde fulgura
A extática pupila da loucura,
Sinistra luz dum cérebro queimado.

Nas rugas de seu rosto macerado
Transpira a cruciantíssima tortura
Que escurentou na pobre alma tão pura
Talento, aspirações... tudo apagado!

Meu triste filho, passas vagabundo
Por sobre um grande mar calmo, profundo,
Sem bússola, sem norte e sem farol!

Nem gosto nem paixão te altera a vida!
Eu choro sem remédio a luz perdida...
Bem mais feliz és tu, que vês o sol.

Camilo Castelo Branco
publicado por RAA às 14:16 | comentar | ver comentários (2) | favorito
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Dez 10

ÉCLOGAS PEQUENAS EM QUE FALA UM SÓ PASTOR

I

No Sertão das Vacarias o leite e o país
escorriam do mistério e das estrelas serranas.
As vacas, ruminando o tempo,
pastavam o sereno num campo de bíblias.

E foram delas, Joaquina, e foram delas
que Jó nasceu, o Cristo e meu pai.
E o eu sabê-lo morto, mortas sei as invernadas,
por isto, substituindo-o na paterna casa,
aonde agora razão venho dar de mim,

esforço, envidei por que corresse ainda,
nas margens de um sentido crepúsculo,
um novo rio que da pobreza manasse.
Tudo o que eu pude dar-vos dela,
em sossego e noite, perdi. Porque a noite,

hoje em mim, é apenas lembrança de poesia,
sol e crescimento. Contudo
nela inda precisamos crer, Joaquina,
como a morada da paz, da nostalgia
e da conformação, além do que

todos os dias são prisões, nunca exílio.
E se eu em Deus outra vez vier a crer,
e esta carcaça de novo, Ele se dignar
de bem cavalgar, que o faça à noite
com seus túmulos e suas estrelas,

porque, em verdade, o dia me envelhece.
De fato eu creio que morri.
E quem não morreu, Joaquina?

Dantas Motta
publicado por RAA às 11:52 | comentar | favorito