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Dez 10

Poesias Completas

autor: Alexandre O'Neill (Lisboa, 19.XII.1924 - 21.VIII.1986)
título: Poesias Completas
subtítulo: 1951 / 1981
prefácio: Clara Rocha
colecção: «Biblioteca de Autores Portugueses»
edição: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
local: Lisboa
ano: 1982
págs.: 504
dimensões: 24x15x2,7 cm. (brochado)
capa: grafismo de Armando Alves
impressão: Gráfica Maiadouro (Maia)
tiragem: 3000
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ÁFRICA

V

Reflectiu o arco-íris
as suas tonalidades múltiplas
sobre as pétalas virginais;
do fundo da terra
subiu até elas o perfume quente
das essências.

E logo foi rubra e ardente
a rosa tropical,
pálida a magnólia,
solene o cravo.

Nelas buscaram cor
as mariposas
e encheram as suas taças
os besouros;
nelas o Poeta e a abelha
encontraram a mais requintada doçura.

Brancas, verdes ou amarelas,
amo-as a todas
na sua pluralidade colorida,
na sua fragilidade perfumada.

Azuis, vermelhas ou roxas,
amo-as a todas
e peço-as
para os meus mortos
passados e futuros,
mortos da terra e do mar,
da escravidão e da liberdade,
peço flores para as novas bandeiras de África
que eu vejo desabrocharem no horizonte.

Manuel Lima
publicado por RAA às 16:55 | comentar | favorito

ÍCARO

A minha Dor vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia
E as multidões desceram ao povoado,
Que a minha Dor cantava de sereia...

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruíra em cima o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.

José Régio
publicado por RAA às 15:42 | comentar | favorito

...

     Uma pomba
Alanceando a luz
Isenta-se da terra;

     sem prendê-la, sustém
a sombra que despiu
e fiel voa sobre ela.

José Bento
publicado por RAA às 15:06 | comentar | favorito
17
Dez 10

EM TEMPO DE MISÉRIA

desço por um jardim transparente
entre lodo e hortelã

andam assistentes sociais pelo bosque
à procura de pobres
agitam contas e berlindes

acaba aqui a rédea solta, há que escolher as armas

troco à sombra do derradeiro cipreste
dois versos e um dedo
por uma noite de sono e um detonador

João Almeida
publicado por RAA às 11:28 | comentar | ver comentários (3) | favorito