03
Jan 11

PÁTRIA MINHA

XVII

Dinamene a chilrear contra o crepúsculo
o cabelo dinamiza oh quão semelhante ao teu
é o meu céu, nadador do mar de breu, músculo
no braço erguido com o livro que é meu enquanto
eu for vivo em rosácea e em suspenso ilimitado

Dinamene raça de rapariga nos dias da raça do Poeta
arraçado de desgraça, Senhor Lusitano da Graça
na minha hagiografia herética onde o santo aventureiro
navega no poema à trinca com cheiro a trevas

Dinamene digo que me levas contigo : ressuscitada cuidas
do Poeta enquanto for vivo o português e as caravelas

António Barahona
publicado por RAA às 19:16 | comentar | favorito

QUATRO MESES E UMA VIAGEM

1

                    S. João de Loure -- pequeno monólogo sobre a ruína

em fevereiro corre um rio

é um rio menino
o desenho na argila
ou antes
o mês na boca da noite
uma lâmina sobre o país

em fevereiro corre um rio

digo: «é o receio da pedra
o sono viscoso da vinha
na encosta a dor da faca»

em fevereiro corre um rio

digo: «é a saliva da guerra
a memória inquieta a palavra
de chumbo a explosão da casa»

António Manuel Lopes Dias
publicado por RAA às 16:48 | comentar | favorito

...

Ó mais doce que a vida, ó praia! Ó mar!
Feliz, que enfim à minha terra volto!
Outrora aqui, nadando, eu afagava
Co' alternas mãos as Náiades tranquilas.
Eis a lagoa onde se curvam as águas.
Eis-me no porto em que o desejo acaba.
Vivi: que o Fado infausto jamais rouba
O que dado nos foi num'hora antiga.

Petrónio

(Jorge de Sena)
publicado por RAA às 14:25 | comentar | favorito
03
Jan 11

PALAVRAS DUM AVESTRUZ TODO GRIS

Arrancaram-me as penas
E eu sofro sem dizer nada:
-- Sou ave
Bem educada.

E, se quisesse,
Podia
Morder-lhes as mãos morenas
A esses
Que sem piedade
Me roubaram estas penas que me cobrem;

E, no entanto,
Sem o mais breve gemido,
O meu corpo
Vai ficando
Desguarnecido.

E elas,
Aquelas
Que se enfeitam, doidamente,
Com estas penas formosas
-- Que são minhas! --
Passam por mim, desdenhosas,
Em gargalhadas mesquinhas.

Sim, eu sofro sem dizer nada:
-- Sou ave
Bem educada.

António Botto
publicado por RAA às 12:08 | comentar | favorito