05
Jan 11

ANDANTE

Além, ao largo, ligeiro...
Volta o navio.

Traz muitas léguas andadas,
Traz muitas tábuas quebradas
E muitas cordas partidas.
Certo dia perdeu vidas
Além, ao largo, ligeiro...
Vida dum raio!
Oh! fumos de marinheiro,
Hálitos rudes da onda,
Baloiço de Portugal!
Meu santo!
É ele o navio
Além, ao largo, ligeiro...

Eu digo
Não sei porquê
Que se parece comigo:
Noto-lhe as velas doiradas
Já no fio...
E rio...
Pois já se vê.
No entanto,
Volta e não volta
Baloiça o navio...
Além, ao largo, ligeiro...

1927
Gil Vaz
publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito

...

África é fruto sazonado.
Para o colher é preciso
ter vivido em sua carne,
sangrado em seu espinho,
auscultado a sua polpa.
Depois, comê-lo com humildade:
Guardar religiosamente o seu caroço.

Merecer a tatuagem:
beber nos rios do seu Povo,
habitar nas cubatas de barro e de capim,
guardar suas mulheres de lua e noite
e os filhos do amor no coração.

Ter África no sangue
é compreender a voz dos quimbos;
senti-la como reza em noites de kazumbi,
noites de óbito e batuque nas sanzalas.

É velar o morto com o grito de guerra;
pronunciar o desafio à noite que desaba
enfrentar o dia da boémia no mato.
Ser deste céu
é ter o vírus tropical no peito;
fumar o fumo entorpecente da liamba,
temperar a voz no travo do marufo.

É enterrar os pés na terra virgem
até sentir as veias prenhes de virtude.

Cândido da Velha
publicado por RAA às 15:56 | comentar | favorito

...

Quase todo o sofrimento é preferível à abjecta humilhação.
publicado por RAA às 14:16 | comentar | favorito

CONTRA CÉLIA

Aos Partos, aos Germanos, dás-te, Célia, aos Dácios.
Nem aos de Capadócia ou de Cilícia negas
O que buscar-te vem do Egipto os cobridores,
Ou, pelo Mar Vermelho, os negros indianos
As ancas não recuas ante o circunciso
Hebreu, e mesmo o Alano, em seu cavalo sármata
Te pára à porta. Oh, como sendo tu Romana,
Só de Romanos paus te não agradas nunca?

Marcial


(Jorge de Sena)
publicado por RAA às 12:50 | comentar | favorito
05
Jan 11

...

Uma nota solta
De não sei que música
Vagueia flor em flor
Como abelha de som.

Não lhe sei a cor,
Não lhe sei o tom,
-- Deve ser esquiva e nívea
E faltar com certeza

Ao compositor e poeta
Que sonhou a perfeição
E a beleza
Sem mácula, que lhe adoece
De a buscar o coração.

Ah, se ela quisesse
Aninhar-se na minha alma!...

António de Navarro 
publicado por RAA às 11:36 | comentar | favorito