10
Jan 11

MARGENS

1

o silêncio distende-se em
sombra. por toda a casa.
a praia expande constante
o seu murmúrio.
o mar pertence à permanente
paisagem do silêncio

João Candeias
publicado por RAA às 23:51 | comentar | favorito

VISÃO

Desconheço a matéria de que és feita,
Que mão febril teu corpo modelou;
Minha alma, ao pressentir-te, insatisfeita,
Como as ondas do mar se alevantou!

Oh! feminil visão clara e perfeita
Que o meu olhar profano dissipou,
Névoa que a luz do alvorecer enfeita
E o hálito da aragem dispersou!...

Na terra, em sonhos ando a procurar-te,
Na terra, pelo céu, e em toda a parte
Para beijar o rasto de teus pés...

Mas quanto mais minha alma te procura,
Mais teu vulto se perde na fundura...
E por ti morro sem saber quem és!

Fausto José
publicado por RAA às 15:32 | comentar | favorito

CRIVO

Para a primeira pedra,
Não tive muro.
Minha roseira ficou sem rosas.
Todo o perfume de minha vida
pairou acima da gravidade.

Veio a segunda. Quebrou na vista.
Meu rosto ágil fez-se profundo.
Sorveu-a, lágrima. Ou estilhaçava
o seio imerso, de bolha dupla.
Transfigurei-a. Foi um salpico
de estrela d'água em minha boca.

Mas a terceira caiu-me dentro.
Só tive sangue para ampará-la.
Felizmente voltou ao sopro
da luz divina que eu respirava.

Adelaide Petters Lessa
publicado por RAA às 14:17 | comentar | ver comentários (2) | favorito
10
Jan 11

PORTUGAL

Do mar Atlântico na margem pura
se senta uma matrona desgrenhada
ao pé da serrania coroada
de triste pinheiral. Nos joelhos dura

os cotovelos pousa, e o rosto na mão,
e crava ansiosos olhos de leoa
no sol poente, e o mar em frente entoa
de maravilhas a fatal canção.

Diz-lhe de longes terras e de azares,
enquanto ela os pés banha nas espumas,
sonhando absorta o trágico império

que se abismou nos tenebrosos mares,
e fita que entre as agoureiras brumas
se alça D. Sebastião, rei do mistério.

Miguel de Unamuno

(Jorge de Sena)
publicado por RAA às 11:25 | comentar | favorito