12
Jan 11

TRANSCONSCIÊNCIA

Vem.
Cada momento novo foi vivido
e vem de outras nebulosas.
Segue.
Cada momento segue
para ser esgotado por outros seres
em outros universos.
Que recordações e que ansiedades
terão os momentos que vivo?
Às vezes sinto a ancestralidade
de cada momento
como se remotamente reconhecesse
uma coisa feita e esquecida.
Sei de outras atmosferas.
Sei que não pára aqui o renovar.
Sei que a emoção é eterna.
(não tem princípio
nem se dissolverá no vácuo)
-- Sem darem por isso,
os homens transcendem-se todos os dias.

E. M. de Melo e Castro
publicado por RAA às 23:55 | comentar | favorito

DEPOIS DA FEIRA

Vão vagos pela estrada,
Cantando sem razão
A última esp'rança dada
À última ilusão.
Não significam nada.
Mimos e bobos são.

Vão juntos e diversos
Sob um luar de ver,
Em que sonhos imersos
Nem saberão dizer,
E cantam aqueles versos
Que lembram sem querer.

Pajens de um morto mito,
Tão líricos!, tão sós!,
Não têm na voz um grito,
Mal têm a própria voz;
E ignora-os o infinito
Que nos ignora a nós.

Fernando Pessoa
publicado por RAA às 16:59 | comentar | favorito

PARA A FEIRA DO LIVRO

Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido e vegetal da folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que vento em folha de livro.
Todavia a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania varrendo o podre a zero.

Silencioso: quer fechado ou aberto,
inclusive o que grita dentro; anónimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam suas redes.
Mas apesar disso e apesar de paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem;
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.

João Cabral de Melo Neto
publicado por RAA às 14:40 | comentar | favorito

NUM DEPÓSITO

volumes e volumes de jornais encadernados
o tudo que é nada
publicado por RAA às 12:56 | comentar | favorito
12
Jan 11

I LOVE MY JEAN

Anda alegria no vento
sempre que vem do sol-pôr:
lá onde vive a serrana
que me enfeitiçou d'amor...
Lá nos montes, pelas fontes,
pelos pinhais, vai sòzinha...
A cada momento, o vento
me faz lembrar -- Joaninha!

Vejo-a nas florinhas tenras,
que dá graça de as olhar;
ouço-a no trilo das aves
que pões bruxedo no ar:
a papoila que floresce
por entre a messe ou na vinha,
o rouxinol que gorjeia,
só me dizem -- Joaninha!

Robert Burns

(Luís Cardim)
publicado por RAA às 11:27 | comentar | favorito