26
Jan 11

HOMENAGEM A CESÁRIO VERDE

Aos pés do burro que olhava para o mar
depois do bolo-rei comeram-se sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas

Pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha.
Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde
que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!

Mário Cesariny
publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito

SECOTINE

Tu eras a graça, a vida,
o golpe brusco de afecto,
elegância desmedida,
o súbito e dilecto
gesto de felino airoso.
Eras a velocidade
encarnada, o gostoso
ir à nossa intimidade,
sem pedir, sequer, licença:
como se tudo que há no mundo
fosse teu -- tua presença
      vinha em nós até ao fundo.
              Tu eras a graça, a vida,
              elegância desmedida.

Eugénio Lisboa
publicado por RAA às 19:46 | comentar | favorito

...

Cruzei-me com quem me dava
A languidez do amor.
A saudação lhe dei pela palavra.
Porque a afeição se acabasse
Não sentia o seu calor
E altaneiro me evitava,
Mas deixou-me que o beijasse:
Foi como daquela vez
Que avistando a claridade,
Só querendo lume, Moisés
Falou com a divindade.

Ibn Al-Milh

(Adalberto Alves)
publicado por RAA às 17:40 | comentar | favorito

NAVIO ERRANTE

Navio errante,
atraquei ao cais do Amor.

Daí em diante
fui-me ao sabor
de ondas, pária
de incerto rumo, bússola perdida.

Onde a linha imaginária
do verde equador
da minha vida?

Navio errante,
sem leme nem comandante,
meu sonho é corcel sem rédea
a gravitar na linha média
entre o equador
e o cais do Amor!

Maria Eugénia Lima
publicado por RAA às 14:15 | comentar | favorito
26
Jan 11

DÍPTICO IRAQUIANO

1. Saddam Hussein em conferência íntima

Diz as maiores barbaridades diante duma audiência restrita e
                                                                       [escolhida.
Fingem que sorvem as suas palavras, como se de ensinamentos
                                                           [do Profeta se tratasse
(ou sorvem-nas realmente, para decifrarem o mistério que reside
                                                                     [em cada tirano).
Saddam perora, sentencia, pára de falar por segundos que parecem
                                                                     [eternidades.
Como que alheio à tragédia que ele próprio é.
                                                                                                                                                                                                         I-2003
2. Embarque

(os marines rumam ao Golfo Pérsico
 vejo, na elevisão, um rapazinho
 de sete ou oito anos, agarrado ao pai)

Vai, despede-te do pai.
Vai matar ou morrer no
deserto.
As lágrimas embaciam-te
os óculos, e não percebes,
meu pequeno, porque há
homens maus a afastá-lo
de ti.
America will prevail.
Oh yes. Democracy,
como sempre.
Ainda não o sabes, mas
já o perdeste, pequeno.
Mesmo de volta,
virá com a morte
nos olhos. A morte
dos que têm o teu
tamanho, pequeno.
2-VI-2003
publicado por RAA às 11:35 | comentar | favorito