04
Fev 11
04
Fev 11

...

Era de noite
Estava com a maria da purificação que falou:
-- aliança perdida no mar dá azar!
-- ou sorte
-- sim...

ouvia-se um trio com trompete de chet baker
-- eu usava aliança quadrada!
-- Ahh essas são antigas! A minha era fininha...

A voz de chet baker a cantar é como uma vadiagem ébria

-- ...aqui ainda é assim; não sei como será lá nas outras bandas!...

era noite a fingir de fantasias entre objectos silenciosos e livros
com dedicatórias de relações que o tempo ultrapassa inventando
outras façanhas d'amores e conversas tantas como nus & loucos
do daqui a pouco nascer do dia

José Andrade (Zan)
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03
Fev 11

CORO

2

Quem não quer morrer não sabe
que a Morte é mais preferida:
-- vive-se à custa da Morte...
-- morre-se à custa da Vida...

Edmundo de Bettencourt
publicado por RAA às 23:28 | comentar | ver comentários (2) | favorito

CERNE

Nada a ver com a fonte
mas com a sede

Nada a ver com o repasto
mas com a fome

Nada a ver com o plantio
mas com a semente

Olga Savary
publicado por RAA às 16:56 | comentar | favorito

SONETO

Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.

Se no ar desta manhã sopra tão pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armadura

Imposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, sobre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentemente

Este poder desperta o ardor de um canto
No cárcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.

Marcos Konder Reis
publicado por RAA às 14:18 | comentar | favorito
03
Fev 11

CANTIGA DE MANA ZEFA

     Ainda me lembro dela
          matrona forte desengonçada
tinha sempre uma oração nos olhos
          uma canção nos lábios grossos

          dorme menino dorme
     oh! oh! oh! oh! oh!
          cazumbi não está a vir
     mana Zefa tá lh'olhar

          tinha ciúme do menino
     de quem mana Zefa falava com paixão
          um dia perguntei com ansiedade
     se o menino seria assim como eu

mana Zefa olhou-me tristemente
     e com lágrimas na voz cantou
          -- não fala assim meu menino
               Deus não faz filho mulato

Rui Burity da Silva
publicado por RAA às 10:55 | comentar | favorito
02
Fev 11

GOGH UMA ORELHA SEM MESTRE

1

Atravessados de um lado ao outro
como os colhões de Cristo
à aurora --
corpo em forma de prece
-- para não perderem o seu quê
enquanto as beiças lambuzam o deus
de langonha

O VOSSO DEUS CHEIRA A PEIXE
cheira a maná de 90$ o kilo

Ide à igreja lamber as mamas do Padre!
O-pa-dre!!!? -- com que nojo...

SABEM O QUE VOU FAZER?
Falar! Falar! Por aí falar da sarna das freiras
                 conas podres
           e do cheirete a mijo

Vocês curvados pelos cantos da sacristia
para que vos vão ao rabo
vocês a perorarem cá fora
à luz do sol a que não têm sequer direito
a roubar o espaço às crianças e aos automóveis, e às putas
que vocês bem sabem onde são

O CRISTO ESTÁ ENVERGONHADO
(VOCÊS NÃO SABEM O QUE É)
PENDURADO PELOS PÉS, CUIDADO
O vosso Cristo parece um coelho
O vosso Cristo é um coelho

-- Vou dar-lhe dois socos no cachaço
                     e comê-lo

                    com ervilhas

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Bem bom este vosso Cristo

Paulo da Costa Domingos
publicado por RAA às 23:38 | comentar | favorito

EPITÁFIO

Meu nome -- minha pátria -- que são para ti?
Se fui nobre ou plebeu -- que diferença faz?
Talvez que eu tenha sido mais que os outros homens.
Talvez que tenha sido menos do que todos.
Contenta-te, estrangeiro, com ter visto um túmulo --
-- Sabes para que serve -- quem jaz nel' não conta.

Paulo Silenciário

(Jorge de Sena)
publicado por RAA às 14:23 | comentar | favorito
02
Fev 11

HUMANIDADE

                                                                                (Depois de ouvir My Buckett Get's A Hole In It)
A doçura daquela
voz a tristeza daqueles
olhos o calor da
trompete de
Armstrong o segregado
desmentindo o ódio
                                                                                                                                                                                                     7-VI-2005
publicado por RAA às 11:19 | comentar | ver comentários (3) | favorito
01
Fev 11

...

à victor brauner

tiens c'est le chat illégal
quoi qu'absolument visible
il allume un feu tout blanc
il vient de jeter de l'eaux aux virgules
père    mère    poire    poète
attention le nain vous respire
fuez ses gants coupez vite le sable
on va être morts sous la table

Mário Cesariny
publicado por RAA às 19:44 | comentar | favorito
01
Fev 11

ROTEIRO DO NOVO-MUNDO

Com duas tábuas fiz
O barco onde navego
E onde sou tão feliz
Que nunca chego.

Meço a altura do sol, fico a sabê-la
Queimando a carne e a vista,
E à noite olho uma estrela
Que já talvez não exista.

Branquinho da Fonseca
publicado por RAA às 16:32 | comentar | ver comentários (4) | favorito