31
Mar 11

CONSTRUÇÃO

Eles são os donos do mundo
e não sabem disso.
Daqui os vejo
bem no alto contra o espaço,
eles vêm e vão
pássaros sérios
deslocando nuvens.
Daqui os vejo criando
essa explosão precisa
de ferro cimento e paciência
-- agora um bem pensado
esqueleto de superpostas vigas.
E a gente fica cismando como é belo
o que eles criam e o simples permanecer
de um operário no alto da sua construção.
O pequeno quadrado (que será elevador)
desce e sobe por ossos de madeira
do poço por eles trabalhado.
Eles constroem o mundo
eles divididos mas tão fortes
eles são o mundo
e não se importam.

Eles levantam os castelos de agora
castelões provisórios no alto de suas torres.

Olga Savary
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ODE À FLOR DE AMEIXIEIRA

O vento e a chuva apressam-se a afugentar a partida da Primavera,
Os flocos de neve, esvoaçando, chamam por ela,
Para lhe dar as boas-vindas.
As altas montanhas estão cobertas de um manto de gelo,
Mas a linda ameixieira continua ainda em flor.
Linda sim, apesar de incompatível com a Primavera,
Ela mal pressente a sua volta
E espera que as flores nos montes floresçam todas
Para sorrir no meio delas.

Mao Tsé Tung

(José de Freitas)
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31
Mar 11

O PESCADOR VELHO

Pescador vindo do largo
com teu calçado de algas
diz-me o que trazes no barco
donde levantas a face

a tua face marcada
pelo sal de horas choradas
dá-me o teu peixe pescado
bem lá no fundo do mar

-- nesta água não tem peixe --

pescador dá-me um só peixe
nem garoupa nem xaréu
só um peixinho de prata

-- nesta água não tem peixe
foi tudo procurar deus
prò lado do Zanzibar.

Glória de Sant'Anna
publicado por RAA às 11:23 | comentar | favorito
30
Mar 11

CANTIGA

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura,
Vai formosa e não segura.

A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada
Pisa as flores na verdura:
Vai formosa e não segura.

Leva na mão a rodilha
Feita da sua toalha,
Com uma sustenta a talha,
Ergue com outra a fradilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai formosa, e não segura.

As flores por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.

Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo,
Mas ela corre perigo
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal
Se vai ver na fonte pura:
Vai formosa, e não segura.

Francisco Rodrigues Lobo
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...

Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho à sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violência maior no campo ardia.

Sufocava-se o vento que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.

Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.

Seu descuido em seu fogo se desculpava;
Que mal feria o sol tão penetrante,
Onde maior incêndio a alma abrasava.

Cláudio Manuel da Costa
publicado por RAA às 14:18 | comentar | favorito

...

Não há deus que resista à iniquidade dos homens.
publicado por RAA às 12:39 | comentar | ver comentários (2) | favorito
30
Mar 11

DAYBREAK

Ergueu-se o vento lá do mar,
e disse às brumas: «Destroçar!»

Ao marinheiros: «Velejai!
Arriba! A noite já lá vai...»

Foi terra dentro, em correria,
sempre a bradar: «É dia! É dia»

E os arvoredos jubilaram:
logo de verde embandeiraram...

E disse às aves pequeninas:
«Orai! Cantai vossas matinas!»

Foi aos casais, chamou o galo:
O dono, é tempo de acordá-lo!...»

E alou às messes, brandamente:
«Curvai-vos ante o sol nascente!

Gritou enfim ao alto sino:
«Vamos: proclama o sol divino!»

...Mas disse aos mortos, num segredo:
«Dormi, dormi! Ainda é cedo.»

Henry Wadsworth Longfellow

(Luís Cardim)
publicado por RAA às 11:32 | comentar | favorito
29
Mar 11

O JOGO É UM ITINERÁRIO

Na minha oficina herética
o labirinto contraria o linear:
percorre-me
como se fosse uma veia
segura em seus meandros

A não-necessidade, o que seria?
que nova desordem criaria?
que outras descobertas?

A fugaz eternidade das ideias-mestras
incessante refaz os jogos da racionalidade
mas o jogo é um itinerário
e a sedução do rigor
recoloca-nos incessante na senda do desejo

Ana Hatherly
publicado por RAA às 22:58 | comentar | favorito

...

Filha, o que queredes ben
partiu-s' agora d'aquen
e non vos quiso veer;
     e ides vós ben querer
     a quen vos non quer veer?

Filha, que mal baratades
que o, sen meu grad', amades,
pois que vos non quer veer;
     e ides vós ben querer
     a quen vos non quer veer?

Andades por el chorando,
e foi ora a San Servando
e non vos quiso veer;
     e ides vós ben querer
     a quen vos non quer veer?

Joan Servando
publicado por RAA às 17:07 | comentar | favorito
29
Mar 11

...

Ó noite inolvidável
Feita abraço
Que nos misturou inteiramente
Até que o dorso da treva se vergou
E na face da idade embranqueceu.
Foi então
     Que o manto fino da brisa
     Tapou teus ombros, ó Noite,
     Com a delicadeza do orvalho.

Ibn 'Abdun

(Adalberto Alves)
publicado por RAA às 14:27 | comentar | favorito