15
Mar 11

ABANDONO

A catástrofe das vidas que tive e que perdi
Mói-me lentamente a vida que eu tenho.
Venho
De longe, a buscar aquilo que esqueci.

                         E canto
                         E choro
                         E gemo
                         E tremo
               Diante das mil vidas
               Que novamente hei-de ganhar.

                         Olalá! Olalá!
               Mil vidas perdidas
                         Conseguidas
               À força de querer!...
                         (Nem canto
                         Nem pranto.)

                         Nem gemo
                         Nem tremo...
Eu vou deixar-me embalar...

Pedro Corsino Azevedo
publicado por RAA às 16:50 | comentar | favorito

QUARTO E SALA

Usando o mesmo banheiro com sua empregada você já está doente qualquer hora acaba pegando ainda a doença de uma negra dessas depois da tragédia que o acometeu nunca mais se viu frente ao espelho e as suas fantasias homossexuais a melhor arma para assaltar banco é o fuzil e a baioneta você acha que vai morrer de quê do coração e eu de câncer no pulmão.

Francisco Alvim
publicado por RAA às 14:24 | comentar | favorito
15
Mar 11

NEGRA

Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de África.

Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atracção, crueldade,
animalidade, magia...
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.

Em seus formais cantos rendilhados
foste tudo, negra...
menos tu.

E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE

Noémia de Sousa
publicado por RAA às 11:09 | comentar | favorito