23
Mar 11

...

Nem toda a gente tem o mar em casa
por setembro
no lento alegre dia de setembro. O mar de Peniche
clareando a luz do dia, um fogo azul. Azul
com seu halo de claridade espalha o azul
sob o peso do dia branco
por setembro
pelo espanto azul claro de setembro
arde azul nos muros de Peniche. Um mar assim
areia dividida deste fogo
desta luz ardendo no terraço
cada vez mais azul onde o azul clarece em azul
onde o sol vai do setembro saindo.
Apenas um mar uma luz única
visível cor atravessada de um azul denso
entre o esplendor do fogo azul sobre a noite quase.

João Miguel Fernandes Jorge
publicado por RAA às 20:38 | comentar | favorito

Sextilha Camoniana

Daqui dou o viver já por vivido.
Quero estar quieta, sozinha agora,
igual uma cobra de cabeça chata,
ficar sentada sobre os meus joelhos
como alguém coagulado em outra margem.
Daqui dou o viver já por vivido.

Olga Savary
publicado por RAA às 14:13 | comentar | favorito

O futebol brasileiro evocado na Europa

A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.

João Cabral de Melo Neto
publicado por RAA às 11:31 | comentar | favorito
23
Mar 11

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Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
      Lançá-lo ao mar.

Quem vai embarcar, que vai degredado,
As penas do amor não queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
      Lançai-o ao mar.

E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
-- A última, de antes do teu noivado.

A sete chaves, -- a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse hei-de o levar.
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

Camilo Pessanha
publicado por RAA às 10:41 | comentar | favorito