11
Abr 11

...

há dezoito séculos que teus olhos de pedra
olham o mar
mar que vem do fundo, do céu enorme, e se imobiliza
a teus pés
quantas vezes, ao longo destes dezoito séculos,
terás querido romper o silêncio,
a magnificência da tua atitude
e descer as escadas até ao lugar do fundo
onde a face de apolo todas as tardes se incendeia
da febre do mediterrâneo
mas aí ficaste
no teu lugar de mármore
corajosamente enfrentando a erosão que te mina
por dentro as vísceras de pedra
vendo as chamas do tempo silenciosamente crepitando
nas aras solitárias
-- minha deusa de sabratha

Vítor Oliveira Jorge
publicado por RAA às 23:35 | comentar | favorito

NO CAIS

Há vibrações metálicas chispando
Nas sossegadas águas da baía.
Gaivotas brancas vão e vêm, bicando
Os peixes numa louca gritaria.

Escurece. Do largo vão chegando
As velas com a farta pescaria.
As bóias põem no mar um choro brando
De luzes a cantar em romaria.

E entretanto no cais as lidas crescem.
Arcos voltaicos súbito amanhecem,
A alumiar guindastes e traineiras...

E ouve-se então, mais forte, mais vibrante,
Os pretos a cantar, noite adiante,
Por entre a bulha e o pó das carvoeiras...

Rui de Noronha
publicado por RAA às 16:02 | comentar | favorito
11
Abr 11

QUERO SER TAMBOR

Tambor está velho de gritar
Ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem azagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

José Craveirinha
publicado por RAA às 11:21 | comentar | favorito