26
Abr 11
26
Abr 11

...

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu lágrimas em fio,
Que de uns e de outro olhos derivadas
Se acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.

Luís de Camões
publicado por RAA às 11:29 | comentar | ver comentários (4) | favorito
21
Abr 11

...

Entre este álamo, ó Nise, e essa corrente,
Que agora estão meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
Cópias daquelas tramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem não sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?

Cláudio Manuel da Costa  
publicado por RAA às 16:01 | comentar | favorito
21
Abr 11

LULLABY

Passarinho pequenino,
que dizes tu, tão cedinho?
Quero voar, minha mãe,
quero voar deste ninho...
Passarinho, passarinho,
     -- meu tontinho! --
Deixa as penas crescer bem,
logo no ar te sustém...

Bebèzinho pequenino,
que palras tu, tão cedinho?
Quero correr, minha mãe,
voar como o passarinho...
Bebèzinho, bebèzinho,
     -- meu tontinho!
Dorme um pouco mais, meu bem...
Cedo voarás, também...

Tennyson

(Luís Cardim)
publicado por RAA às 11:18 | comentar | favorito
20
Abr 11

...

as provas de amor se manifestam
quando não são exigidas

publicado por RAA às 17:54 | comentar | favorito

...

Pois nossas madres van a San Simon
de Val de Prados candeas queimar,
nós, as meninhas, punhemos d'andar
con nossas madres, e elas enton
          queimen candeas por nós e por si
          e nós, meninhas, bailaremos i.

Nossos amigos todos lá iran
por nos veer, e andaremos nós
bailand' ant' eles, fremosas [en] cós,
e nossas madres, pois que alá van,
          queimen candeas por nós e por si
          e nós, meninhas, bailaremos i.

Nossos amigos iran pour cousir
como bailamos, e poden veer
bailar moças de bon parecer,
e nossas madres, pois lá queren ir,
          queimen candeas por nós e por si
          e nós, meninhas, bailaremos i.

Pero de Viviães
publicado por RAA às 17:28 | comentar | favorito

NÁUFRAGO

Neste espantoso e surdo mar em que me agito
Bem quero soçobrar... Em fúria cega e tanta
Quando eu lutando em vão me afundo e precipito
Logo uma vaga enorme e torva me alevanta...

Tolda-me o espaço a lucidez... e se medito
Toda a razão se desvanece e se quebranta;
Fito os olhos no vago, e cego... e se os desfito
Logo a fascinação da luz se desencanta...

Se a espaços a distingo, a forma que se esfuma
É a do corpo meu, boiando sobre o mar
Já roxo e mutilado, envolto pela bruma...

E a Dúvida persiste... as ondas agitadas
Amortalham de espuma o corpo, que a boiar
Fita no espaço ainda as órbitas vazadas...

José Coelho Pacheco 
publicado por RAA às 14:33 | comentar | favorito
20
Abr 11

RATOS E HOMENS

But if the while I think on thee, dear friend / All losses are restor'd, and sorrows end.


                                                                                                                                                                                          Shakespeare

No Bosque Proibido, romance de Mircea Eliade, Stefan refugiou-se do blitz londrino nas estações do Metro. No bolso levava sempre uma edição dos sonetos de Shakespeare, que lia obstinadamente enquanto as bombas caíam. Os Sonnets preservavam-no da ameaça lançada dos ceús. Nessa espécie de esgoto, a poesia fazia a diferença entre ratos e homens.
publicado por RAA às 11:19 | comentar | ver comentários (3) | favorito
19
Abr 11

ADAGIO

Repouso a minha fronte
Dorida no teu peito:
E o meu bem-estar é feito
De não ter horizonte.

Nela sentindo, leve,
A tua mão passando,
Fico entressonhando
O derreter da neve...

Que translúcido vago
Meu suave esquecer
No teu último afago...
-- O meu anoitecer.

Nada hoje me peça
O teu querer-me : deixa
Que tão breve adormeça
Como a tarde se fecha.

Carlos Queirós
publicado por RAA às 20:52 | comentar | favorito

LA STATUE ABANDONÉE

Le corps de la femme était un ciel plein d'ombres
sa nuée s'allongeait brisée en plis amers
les lianes les fougères embrassaient la pierre
et deux mains parfumées s'ouvraient à mon approche

Géo-Charles
publicado por RAA às 14:46 | comentar | favorito
19
Abr 11

MAÇÃS E PÊRAS

Aceitai,
     Como rostos amáveis que se vos mostrassem
     Ou tímidos seios palpitando vossas mãos
estas maçãs: Pérolas entre nós espalhadas
Como botões em seu ramo postos.
Tomai-as e ofertai-as aos presentes
Como vinho preso de surpresa
Pelo gelo de inverno.
Eis também pêras para duplicar a minha dádiva.
E apenas se me oferece dizer:
São tão-somente brancas faces
Onde pousaram profundos olhos negros.

Ibn 'Ammar

(Adalberto Alves)
publicado por RAA às 11:16 | comentar | favorito