31
Ago 11

NA CIDADE NASCI

Na cidade, quem olha para o céu?
É preciso que passe o avião...
Quem me dera o silêncio, a solidão,
Onde pudesse, alguma vez, ser eu!

Na cidade nasci; nela nasceu
A minha dispersiva inquietação;
E o meu tumultuoso coração
Tem o pulsar caótico do seu.

Ah! Quem me dera, em vez de gasolina,
O cheiro da terra húmida, a resina
A flores do campo, a leite, a maresia!

Em vez da fria luz que me alumia,
O luar, sobre o mar, em tremulina...
-- Divina mão compondo uma poesia.

Carlos Queirós
publicado por RAA às 14:32 | comentar | favorito
31
Ago 11

A PALAVRA INESPERADA

do estômago sobe-me a palavra inesperada
entre a língua destravada e o palato força-me
a boca desabusada desesperada
rasteira-me a mão e cai
sobre o papel
estatelada
13-VI-2003 /
/ 10-XII-2005
publicado por RAA às 11:51 | comentar | favorito
30
Ago 11

...

-- Quem tem filhos, tem cadilhos. --
Tem-nos quem os não tiver.
Quem tem filhos ainda vive
Mesmo depois de morrer.

António Correia de Oliveira
publicado por RAA às 14:39 | comentar | favorito
30
Ago 11

COLAR DE PÉROLAS

Esse colar de pérolas sem par
Que te rodeia o colo acetinado,
Parece que rolou, brando e magoado,
Dos teus formosos olhos ao chorar...

Foram rolando as lágrimas e acharam
O teu seio tão pálido e tão frio
Que, apenas a mais límpida caiu,
As pobrezitas, trémulas, gelaram!

João Saraiva
publicado por RAA às 12:23 | comentar | favorito
29
Ago 11

HENRY LAYTON

Quem quer que sejas que aqui passas
sabe que meu pai era um carácter doce
e minha mãe violenta,
pelo que nasci feito de duas metades opostas
não misturadas nem fundidas,
mas diversas, e fràgilmente uma à outra soldadas.
Alguns de vós viram-me ser doce
outros violento
outros as duas coisas.
Mas não foi nenhuma das metades o que acabou comigo.
Foi o cair delas cada uma para seu lado.
nunca parte uma da outra,
o que me transformou numa vida sem alma.

Edgar Lee Masters

(Jorge de Sena)
publicado por RAA às 15:15 | comentar | favorito
29
Ago 11

...

Elle s'est endormie, un soir, croisant ses bras,
Ses bras souples et blancs sur sa poitrine frêle,
Et fermant pour toujours ses yeux clairs, déjà las
De regarder ce monde, exil trop lourd pour Elle.

Elle vivait des fleurs, de rêves, d'idéal,
Âme, incarnation de la Ville eternelle.
Lentement étoufée, et d'un semblable mal,
La splendeur de Paris s'est éteinte avec Elle.

Et pendant que son corps attend pâle et glacé
La réssurection de sa beauté charnelle,
Dans ce monde où, royale et douce, Elle a passé,
Nous ne pouvons rester qu' en nous souvenant d'Elle.

Charles Cros
publicado por RAA às 12:29 | comentar | favorito
28
Ago 11
28
Ago 11

l'homme au verre de vin

numa sala do louvre dedicada à
pintura espanhola há um quadro
atribuído à escola portuguesa
de quatrocentos. é o

homem do copo de vinho, ou, dir-se-ia,
do copo de solidão; e é possível
que seja flamengo e triste. mas tomemos
a origem indicada como boa

para esse homem que vai entrar na noite,
gravemente na noite, como numa
parda natureza. eu nunca pude
obter um slide dessa imagem,

um bilhete postal, ou quaisquer dados
para situar aquela estranha placidez
de quem vai encontrar no vinho uma verdades, de
alguém que vou visitar de vez em quando,

para beber um copo em companhia.
é possível que fosse na flandres
algum feitor discreto e rico ou que em lisboa fosse
o português cultivado, melancólico,

segurando uma alcachofra minuciosa
que o pintor depois terá mudado
para tornar mais intenso o sentimento
ou mais real a sua digna sede.

Vasco Graça Moura
publicado por RAA às 23:09 | comentar | favorito
27
Ago 11
27
Ago 11

CONVICÇÃO

Cai a tarde, cai a noite...
As sombras erguem-se do chão, fazem danças, contra-danças, rondas, ciladas.
As luzes da Câmara Municipal, presas aos fios que as vivem, guardam-nas e elas dançam-lhes de roda.
Eu passo; mas não passo como uma sombra: sou eu. Tenho um cartão de identidade e fatos por medida.

António Madeira
(Branquinho da Fonseca)
publicado por RAA às 23:58 | comentar | favorito
26
Ago 11

Sonetos Luxuriosos

autor: Pietro Aretino (Arezzo, 20.IV.1492 -- Veneza, 21.X.1556)
título: Sonetos Luxuriosos
tradução: João Paulo Paes
edição: Guerra e Paz
local: Lisboa
ano: 2006
pág.: 67+30
dimensões: 19,5x11,6x1,2 cm. (cartonado)
capa e ilustrações: Luís Miguel Castro
impressão: Guide - Artes Gráficas
tiragem: 2000
obs.: edição bilingue; contracapa e 30 págs. invertidas, fotos com tratamento gráfico.
publicado por RAA às 14:15 | comentar | favorito
26
Ago 11

...

A tarde se estira
no dorso de um tigre
veloz --
o duro mel dos olhos
encorpa em camélias
súbitas esquinas sem beijos, --
todos os minutos se espreitam.

Angela de Campos
publicado por RAA às 12:45 | comentar | favorito